Estudos sistemáticos
quinta-feira, 8 de agosto de 2013
O CANON(QANEH)
EV.ROBÉRIO OLIVEIRA
Artigo: A CANONICIDADE DAS ESCRITURAS
9.1. A PALAVRA CÂNON
O termo Cânon significa etimologicamente “regra” ou “medida”. É de origem hebraica, do vocábulo “Qâneh”, que ocorre 61 vezes no Antigo Testamento. A cana era uma planta que era usada para medir (cf Ez 40.3). Uma balança (cf Isaias 46.6).
O teólogo calvinista Hermisten Maia, assim define o Cânon:
A palavra kanwn é usada desde Homero (século IX a.C.), significando “qualquer coisa que pode ser segurada contra outra coisa a fim de esticá-la ou medi-la”. No grego clássico a palavra, desenvolveu o sentido de medição, esquadra, braço da balança. [1]
Sobre o uso da palavra cânon no Novo Testamento nos afirma Hermisten:
Cânon ocorre somente quatro vezes no Novo Testamento, sendo encontrado exclusivamente nas epístolas paulinas. Paulo emprega em 2Coríntios 10.13,15,16, significando, ao que aprece, a sua “regra” de procedimento de não trabalhar em campo alheio (cf Rm 15.20,21), especialmente dentro do mundo gentílico (cf At 9.15; Rm 1.5; Gl 2.9). Paulo também usa o termo em Gálatas 6.16, indicando uma “regra de vida” – que consiste no apego à Palavra de Deus – que evidência o Israel de Deus, sobre o qual, a paz e a misericórdia de Deus são rogados.
9.2. OS PAIS DA IGREJA E A INSPIRAÇÃO DA BÍBLIA
“Pais da igreja”, assim é que alguns foram identificados como uma classe de discípulos que andaram ou tiveram contatos com os apóstolos, ou seja, eram muito próximos dos apóstolos. Vejamos o que alguns deles afirmam sobre a inspiração do Novo Testamento:
Orígenes (c.185-254) fazia a seguinte divisão dos livros que eram lidos pela igreja,[2] tentando resolver o problema da canonicidade:
1) Anantírretas: “Incontestáveis”: Os quatro evangelhos , treze epistolas , 1Pedro, 1 João, Atos, Apocalipse
2) Amphiballómena: “Duvidosos”: 2 Pedro, 2 e 3 João, Tiago, Judas, Hebbreus e Epístola de Barnabé (130 A.D.) O Pastor de Hermas (c. 140 A.D.) o Didaquê (c. 120 A.D.) e o Evangelho de Hebreus .
3) Pseudé: “falsos”: Evangelho dos Egípcios, Tomé, etc...
Já Eusébio de Cesareia[3] (c.260-340) tentava resolver fazendo a seguinte divisão:
1) Homologoúmena: “Incontestáveis”. Os quatro evangelhos, Atos, quatorze epistolas de Paulo e Hebreus, 1 João, 1Pedro, 2 e 3 João.
2) Antilegómena: Reconhecidos pela maioria: Tiago, Judas, 2Pedro, Apocalipse.
3) Spurios: Atos de Paulo, Pastor de Hermas, Apocalipse de Pedro.
4) Hereticos: inteiramente absurdo e ímpio: Evangelho de Pedro, Tomé, Matias, etc...[4]
Atanásio (c.296-373) é-nos de grande importância neste quesito, pois com relação ao Cânon, ele fez a distinção entre os livros canônicos – os vinte e sete livros,[5] como consideramos hoje.
Seguindo a linha de raciocínio Hermisten Maia, afirmamos que já havia:
• Um Reconhecimento de um Cânon judeu (Mt 5.17; 7.12; 11.13)
• Exortações para que se leiam publicamente os escritos apostólicos como inspirados (Cl 4.16; 1Ts 5.27; 1Tm 4.13, Ap 1.3); etc...
Podemos afirmar que somente no ano 397 houve de fato um reconhecimento dos livros tidos como canônicos ou inspirados por Deus. A igreja então sempre teve (a partir de 397) como inspirados, os 66 livros da Bíblia como Palavra de Deus de autoridade e regra de fé e prática.[6]
O apóstolo Paulo afirma que o que ele escreveu aos tessalonicenses é a Palavra de Deus e não palavra de homens:
Por isso também damos, sem cessar, graças a Deus, pois, havendo recebido de nós a palavra da pregação de Deus, a recebestes, não como palavra de homens, mas (segundo é, na verdade), como palavra de Deus, a qual também opera em vós, os que crestes (1 Tessalonicenses 2.13) (grifo do autor).
Como vemos, os próprios escritores da Bíblia, afirmam sua inspiração divina e canônica.
9.3. A canonicidade do Antigo Testamento
A canonicidade do Antigo Testamento[7] tem sido amplamente discutida desde que os métodos de alta e baixa crítica se desenvolveram na história. Há inúmeros livros e artigos que tratam sobre esta questão.
Há três elementos básicos no processo de canonização: a inspiração de Deus, o reconhecimento pelo povo de Deus e a coleção dos livros inspirados. A inspiração cabia ao próprio Deus, mas os dois passos seguintes, Deus os incumbiria a seu povo.
1) Inspiração de Deus – Deus deu o primeiro passo na canonização da Bíblia, quando ele mesmo os inspirou. O povo de Deus não teria como reconhecer a inspiração de um livro, se Deus mesmo não tivesse dotado os 39 livros que compõem o Antigo Testamento, de autoridade divina.
2) Reconhecimento por parte do povo de Deus – Quando Deus dotava algum livro de autoridade, seu povo o reconhecia. Este reconhecimento ocorria imediatamente pela comunidade para a qual o livro foi destinado. Os escritos de Moisés foram reconhecidos em seus dias (Êx 24.3), como também os de Josué (Js 24.26), os de Samuel (1Sm 10.25) e os de Jeremias (Dn 9.2). Este reconhecimento seria confirmado pelos crentes do Novo Testamento e também por Jesus.
3) Coleção e preservação pelo povo de Deus – O povo de Deus colecionava e guardava sua Palavra. Os escritos de Moisés foram colocados na arca (Dt 31.26). As palavras de Samuel foram colocadas num livro e o pôs perante o Senhor (1Sm 10.25). A lei de Moisés foi preservada no templo nos dias de Josias (2 Rs 23.24). Daniel tinha uma coleção da lei de Moisés e dos profetas (Dn 9.2; 6.13). Os crentes do Novo Testamento tinham toda Escritura do Antigo Testamento (2Tm 3.16), tanto a Lei como os Profetas (Mt 5.17).
9.3.1. A DIFERENÇA ENTRE OS LIVROS CANÔNICOS E OUTROS ESCRITOS RELIGIOSOS
Apesar da importância que alguns livros tinham, assim como: Livro dos Justos (Js 10.13) e o Livro das Guerras do Senhor (Nm 21.14), nem todos os escritos eram considerados canônicos.
Os livros apócrifos, escritos após o período do Antigo Testamento (c. 400 a.C.), tinham seu valor religioso definido, porém jamais foram delimitadores da fé, doutrina e conduta cristãs, diferentemente dos escritos inspirados e dotados da autoridade divina, pois têm autoridade sobre os crentes. Nenhum artigo de fé deve basear-se num livro não-canônico, não importando o valor religioso do mesmo. A verdade transmitida pelos livros inspirados é que constitui o fundamento das verdades da fé.
9.3.2. A DIFERENÇA ENTRE CANONIZAÇÃO E CATEGORIZAÇÃO DOS LIVROS DA BÍBLIA
Tem havido muita confusão quanto à data dos escritos sagrados e sua canonização. Há quem defenda que a canonização foi modular. Ou seja, seguindo as datas das seções do Antigo Testamento:
Lei (c. 400 a.C.)
Profetas (c. 200 a.C.)
Escritos (c. 100 a.C.)
Porém, algumas seções, assim como os Escritos, foram reagrupadas diversas vezes desde que foram redigidas e foram aceitas antes mesmo dessas datas e reagrupamentos.
Diante dessas questões, o processo de canonicidade ficou evidente e fechado já nos tempos de Jesus. O Mestre se utilizava desses livros para ensinar aos seus ouvintes a Palavra de Deus com toda a autoridade, sendo eles: Pentateuco: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Históricos: Josué, Juízes, Rute, I e II Samuel, I e II Reis, I e II Crônicas, Esdras, Neemias e Ester. Poéticos: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cantares de Salomão. Profetas Maiores: Isaías, Jeremias, Lamentações de Jeremias, Ezequiel e Daniel. Profetas Menores: Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.
Os demais livros possuem autoridade histórica e nos ajudam muito a entender o judaísmo do período iniciado com Cristo. Mas não são, para nós crentes em Cristo Jesus, fonte de autoridade divina como o são os demais livros do Antigo Testamento, sendo assim denominados de livros apócrifos, i.e., livros sem autoridade divina.
9.4. A canonicidade do Novo Testamento
É o Novo Testamento considerado como Palavra de Deus? Seus livros são inerrantes? São seus escritos infalíveis? É o Novo Testamento inspirado pelo Espírito Santo? Estas são perguntas que respondemos ao estudarmos a canonicidade do Novo Testamento.
9.4.1. COMO PODEMOS ENXERGAR O NOVO TESTAMENTO INSPIRADO E, POR CONSEGUINTE, TODA A BÍBLIA?
Mais uma vez recorremos a Hermisten Maia[8] para tratarmos desta questão. Ele afirma que temos que crer na Bíblia como Palavra de Deus inspirada, e, para isto precisamos visualizar quatro aspectos das Escrituras como inspiradas, são eles: plenária, dinâmica, verbal e sobrenatural.
1) Plenária: Porque toda a Escritura é plenamente expirada[9]. De Gênesis a Apocalipse (2Tm 3.16, 2 Pd 1.20,21).
2) Dinâmica: Porque Deus não anulou a personalidade dos escritores, por isso, inspirados por Deus, eles puderam usar suas experiências, pesquisas, aptidões e manter o seu estilo (2 Pd 3.15,16). Deus, na realidade, separou os seus servos antes de eles nascerem e os preparou para desempenharem essa função (Is 49.1,5; Jr 1.5; Gl 1.15,16).
3) Verbal: Porque Deus se revelou através de palavras e todas as palavras dos autógrafos originais são Palavra de Deus (2Sm 23.2; Jr 1.9; Mt 5.18; 1Co 2.13). Em Gálatas 3.16 é interessante observar que Paulo, depois de analisar a genuína natureza da aliança de Deus com Abraão, coroa o seu argumento recorrendo a uma só palavra usada no original hebraico. A inspiração se estende aos pensamentos bem como às palavras.
4) Sobrenatural: Por ter sido originada em Deus e produzido efeitos sobrenaturais, mediante a ação do Espírito Santo, em todos aqueles que crêem em Cristo (Jo. 17.17; Rm 10.17; Cl 1.3-6; 1 Pd 1.23). É através da Palavra que Deus gera os Seus filhos Espirituais.
Quando o Novo Testamento surgiu, ele surgiu como Palavra de Deus! Como afirma Thomas Carlyle:
A Bíblia é a expressão mais verdadeira que, em letras do alfabeto, saiu da alma do homem, mediante a qual, como através de uma janela divinamente aberta, todos podem fitar a quietude da eternidade e vislumbrar seu lar longínquo, há muito esquecido.[10]
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[1] COSTA, Hermisten Maia Pereira. A Inspiração e Inerrância das Escrituras: uma perspectiva reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 1998, p.19.
[2] Cf: COSTA, Hermisten Maia Pereira. A Inspiração e Inerrância das Escrituras: uma perspectiva reformada.
[3] Eusébio era Historiador da Igreja. Veja que este processo de canonização das Escrituras não foi um processo rápido, houve a necessidade de aprovação da igreja ao longo dos anos.
[4] Cf: COSTA, Hermisten Maia Pereira. A Inspiração e Inerrância das Escrituras: uma perspectiva reformada.
[5] Podemos crer na existência de uma coleção “Epistolas”? (cf 2Pd 3.15,16).
[6] Embora, muitas igrejas no evangelicalismo moderno sustentem este discurso, de que a Bíblia é a palavra de Deus: inspirada, “regra de fé e prática”, na prática, outros meios de autoridade substituem à autoridade da Bíblia, como o pragmatismo, subjetivismo e “novas revelações do Espírito”, etc... – o que é um erro.
[7] REIS, Michel dos Santos. A Canonicidade do Antigo Testamento. Pentateuco. Instituto Teológico Rev. Luíz Gonzaga de Medeiros. Fevereiro de 2012.
[8] Cf: COSTA, Hermisten Maia Pereira. A Inspiração e Inerrância das Escrituras: uma perspectiva reformada.
[9] A palavra “inspirada” não ocorre no Novo Testamento. A palavra grega que Paulo em 2 Timóteo 3.16 é theopneustos, que não significa necessariamente inspirada, mas “expirada”. Ou seja, em vez de ser soprada para dentro (“inspirada”) sopra-se para fora: Quer dizer que toda a Escritura é exalada, soprada para fora, por Deus.
[10] JUNIOR Carvalho. Coletâneas de Curiosidades Bíblia e históricas. (Sem catalogo).
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