domingo, 18 de agosto de 2013

PSICOLOGIA  DO ESPORTE  NO BRASIL.....
 Ev.robério oliveira(Pregador e Conferêncista)Tel.075-99536335-07187981356
Introdução
Vários esforços têm sido feitos na direção de delimitar os campos de atuação do psicólogo, mas ainda existem questões presentes que não se esgotam. Mesmo com o aumento da freqüência de discussões e trabalhos publicados, os estudos realizados referentes ao exercício profissional do psicólogo continuam a apontar para uma limitada percepção das possibilidades de atuação deste profissional (Botomé , 1988).
Segundo o mesmo autor, ainda é presente no reconhecimento da Psicologia enquanto área de conhecimento e campo profissional, o perfil predominante do saber fazer da clínica. Em outras palavras, é como se o aprendizado oferecido nos cursos de formação continuassem enfatizando a herança herdada pela Psicologia do modelo médico, onde as atividades desenvolvidas pelos psicólogos estão muito mais voltadas para o trabalho com indivíduos isolados ou grupos pequenos do que, por exemplo, grandes contingentes populacionais. A prática clínica está tão enraizada nas origens da Psicologia que a própria identidade entre Psicologia e psicoterapia resiste a todo conhecimento produzido nos últimos 50 anos a respeito do que é e pode ser a Psicologia tanto como área de conhecimento como quanto campo (ou campos?) de atuação profissional (Botomé, 1988; p. 276).
Mesmo assim, essa forte ligação, apesar de resistente, não impediu os diversos avanços que têm sido feitos na direção de ampliar a prática do psicólogo para além da clínica. Para Francisco e Bastos (1992), os psicólogos têm buscado consolidar uma atuação que não se restringe mais só às atividades voltadas à mensuração de características psicológicas e intervenção frente a problemas de ajustamento de indivíduos. Não obstante, os órgãos oficiais (Conselhos Federal e Regional de Psicologia), criaram em 2001, o título de especialista reconhecendo não só os campos mais tradicionais da Psicologia (clínica, escolar e organizacional), mas também aqueles que, através de pesquisas, se constituíram nos novos cenários de atuação do psicólogo no Brasil (hospitalar, trânsito, jurídica, esporte, psicopegagogia, psicomotricidade, social e neuropsicologia).
O parágrafo que se segue é um trecho, de um dos temas das discussões, realizadas por comissões, em todos os Conselhos Regionais de Psicologia, em 2000, a respeito da criação do título de especialista, que prova a iniciativa de oficializar campos de atuação da Psicologia até então, desconhecidos do ponto de vista legal.
A especialidade é, portanto, uma decorrência do próprio desenvolvimento da Psicologia em suas diferentes áreas de inserção, tais como hospitais, presídios, creches, fóruns etc. A Psicologia não pode hoje ser vista como uma prática limitada ao consultório, aos recursos humanos e à escola. Sua entrada em setores distintos produz modificações nessas áreas, assim como no saber psicológico. Se desconsiderarmos, estas novas realidades corremos o risco de reproduzir práticas tradicionais que não se adaptem às novas demandas. É fundamental que essas práticas sejam sistematizadas, com vistas à produção de conhecimentos científicos. A criação do registro pode favorecer que profissionais com atuação numa mesma área se unam, reflitam, pesquisem e aprofundem conhecimentos que representem avanços tanto teóricos como práticos para a Psicologia (Jornal de Psicologia; 03- 04/2000).
Após quatro anos da Resolução Nº 002/2001, baixada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) em 22 de março de 2001, os problemas referentes à prática profissional do psicólogo prosseguem e estes não dizem respeito só ao campo da Psicologia do Esporte, tema central deste curso. Na verdade, o que se percebe é que o título “garante” o lugar do psicólogo no mercado de trabalho, mas não garante um conhecimento que, a priori, deveria ser adquirido na sua formação, seja ela inicial ou em nível de pós-graduação. E neste sentido, é unânime encontrar em várias obras da literatura que discutem este assunto, autores como Botomé (1988); Francisco e Bastos (1992); Bastos e Achcar (1994) e Duran (1994) que afirmam, apesar de todas as mudanças voltadas a sistematizar a diversidade que permeia a Psicologia enquanto área de conhecimento e campo profissional, a formação ainda é uma questão pendente.

Em citações originais dispostas cronologicamente e por ordem de capítulos (especificamente para aqueles que fazem parte da mesma obra) é possível identificar alguns pontos comuns entre os autores, a respeito do tema levantado: Veja a seguir:

Botomé (1988):

...A formação profissional parece baseada em uma concepção de “modelo pronto de trabalho em Psicologia”. Há uma ausência, na formação, de habilitações para estudar, analisar, elaborar, testar e desenvolver projetos de trabalho profissional a partir de problemas, limitações e dificuldades (p. 277)
...O ensino superior não parece dedicar-se a corrigir a tendência predominante do exercício profissional. Mesmo por que, o currículo parece mais voltado ao ensino de técnicas e modelos de atuação profissional já existentes do que ao desenvolvimento de alternativas de atuação profissional socialmente significativas.
Nem ao menos há, ainda, uma significativa dedicação, na universidade, ao desenvolvimento de conhecimento sobre outras possibilidades de realização do exercício e da profissão. Os modelos de currículo e de ensino ainda enfatizam a “transmissão de conteúdos”, ignorando que essa metáfora (algo “cheio” transmite “conteúdos” a algo vazio) não é um discurso adequado para traduzir o processo que ocorre quando alguém aprende a partir do que faz alguém que ensina...(p. 280-281).
No planejamento da formação do psicólogo e no exame do exercício profissional há pouca clareza sobre a distinção entre as concepções da Psicologia como área de conhecimento, como campo de atuação profissional e como mercado de trabalho. O exercício da profissão e a formação de novos psicólogos, sem essa distinção, correm o risco de não superarem os vários problemas hoje existentes na atividade profissional (p. 281).

Francisco e Bastos (1992):
...Ao se estudarem os vínculos do exercício profissional com o processo de formação, a ênfase normalmente recai nos aspectos curriculares que determinam a existência de um modelo hegemônico de fazeres profissionais que veda a possibilidade de diversificação do exercício da Psicologia. Como fator importante, ao formar psicólogos cujo leque de competências não amplia a sua inserção no mercado e não transforma campo potencial em demanda de serviços- os processos formativos reproduzem o modelo hegemônico e ampliam o isolamento do psicólogo. Como assinalam Weber e Carraher (1982), “existe um consenso de que o currículo vigente no Brasil não reflete o estado atual da Psicologia como ciência e como profissão. Constatam-se defasagens patentes entre o que aqui é ensinado e o que é produzido nos grandes centros intelectuais, bem como entre o que o psicólogo aprendeu e os desafios que afronta cotidianamente na sua prática profissional” (p. 5) (213-214).
...Uma análise das mudanças curriculares nos últimos 20 anos revela a preocupação e, mesmo, as tentativas crescentes de atualização, embora saibamos que muito do modelo tradicional perdura e que, para se empreender uma mudança estrutural, que parece ser a meta, é necessário mais do que repensar carga horária ou substituir disciplinas. Tais mudanças superficiais estão fadadas ao fracasso e certamente não contribuirão para alterações significativas na construção da ciência e prática psicológicas entre nós (p. 214).

Bastos e Achcar (1994):

...É necessário que no curso de formação acadêmica do psicólogo sejam rompidos os limites que o aprisionam a uma formação fragmentada e tecnicista ou que o preparem para reproduzir formas extremamente limitadas de enfrentar um reduzido leque de problemas (p. 325).
...A mudança na formação não pode se reduzir ao plano dos conteúdos ou conhecimentos, mesmo que a sua ampliação dê conta dos novos contextos, clientelas e problemas com os quais o psicólogo passou a se deparar (p. 325).

Duran (1994):
...Muito do que tem sido dito ou escrito convence da necessidade de reformas no plano de formação. O quadro que se revela, a partir dos resultados e reflexões constantes dos trabalhos até aqui expostos, nos mostra uma profissão em processo de transformação e necessitando revisão em seus modos de formação profissional. Tal revisão implica novas atitudes em relação ao conhecimento, a sua produção, ao exercício da profissão e, naturalmente, ao processo formador. Não se esgota em qualquer procedimento discreto, mas supõe um processo abrangente em que instituições em vários níveis no âmbito da educação e no âmbito profissional, nos limites de suas competências, promovam as avaliações e as medidas que possam contribuir para aproximar a formação profissional das exigências sociais que a derivam condicionar (p. 368).
Baseando-se nas citações acima, fica claro que, desde aquela época, já existia uma necessidade emergente na Psicologia, não só do reconhecimento de novas áreas, mas, principalmente, da reestruturação das diretrizes de formação do psicólogo. Todos os autores, sem exceção, apontavam para a necessidade de mudanças emergentes, destacando entre elas: o abandono ao modelo hegemônico, que acaba dificultando ao psicólogo a possibilidade de ampliar sua inserção no mercado e transformar seu campo potencial em demanda de serviços; uma mudança estrutural no modelo de formação que não se reduza apenas a repensar a carga horária ou substituir disciplinas (Francisco e Bastos, 1992) e, um processo abrangente em que instituições, em vários níveis no âmbito da educação e profissional, possam promover avaliações e medidas que venham contribuir para aproximar a formação profissional das exigências sociais que a deveriam condicionar (Duran, 1994).
Os autores, Bastos e Achcar (1994), acrescentavam, também, que o fato de se discutir formação em nível de graduação, não necessariamente implicaria que só o mesmo teria que dispor de condições para preencher essas lacunas já que, dada a diversidade de problemas e contextos que o psicólogo encontrava e encontra até hoje, a mesma não conseguiria ser contemplada em toda a sua extensão num curso no nível de graduação.
Mesmo porque, entende-se que a formação dada pelos cursos universitários deve ou deveria constituir a base de conhecimento para formar um profissional, e não se tornar o único recurso responsável na aquisição do mesmo, que surge, posteriormente, na vida de um profissional quando este se depara com novas necessidades produzidas pela dinâmica do mundo e dos indivíduos que fazem parte dele.
Sendo assim, diante dessas e outras mudanças emergentes apontadas pelos autores e pela própria Psicologia , em 12 de Abril de 2004, através da Resolução CNE/CES6 Nº 87, foram aprovadas as novas Diretrizes Curriculares do curso de Psicologia, que propõem, hoje, como bases de formação do psicólogo desenvolver competências e habilidades profissionais, em substituição à tradição curricular baseada na enunciação de disciplinas e conteúdos programáticos, que se expressaram historicamente na obrigatoriedade de um currículo mínimo (Maluf e cols, 2003; p. 9). É, também, papel da formação atual desenvolver forte compromisso com a perspectiva científica e com o exercício da cidadania, assegurar postura ética, garantir visão integrada dos processos psicológicos e permitir a ampliação dos impactos sociais dos serviços psicológicos prestados à comunidade (p. 9).
Em outras palavras, pode-se afirmar, que a aprovação das novas Diretrizes Curriculares significa não só o resultado dos esforços que foram feitos na direção da reestruturação dos cursos de Psicologia, mas também, a possibilidade de reflexão sobre estes esforços, discutindo suas implicações e influências, principalmente, no campo da Psicologia do Esporte, já que isolar os reflexos dessa reestruturação da área em relação à própria estruturação deste campo seria inevitável ou, no mínimo, impossível.
Neste sentido, não basta apenas olhar para o processo de crescimento da Psicologia do Esporte no Brasil que, como já apontado, anteriormente, é visível. É necessário sim, mergulhar em sua história buscando identificar e entender em que bases os saberes que caracterizam seu campo de intervenção foram construídos e quais as competências exigidas no fazer profissional do psicólogo esportivo. Afinal, como profissão relativamente nova, muito dos saberes da Psicologia do Esporte ainda estão se consolidando no nível da ciência e isto influi no seu fazer, o que significa que ainda há muitas divergências de dados, de teorias, de modelos, insuficientemente pesquisados que necessitam maior aprofundamento. Além do que, a realidade também tem demonstrado que os próprios psicólogos e estudantes de Psicologia ainda reagem com certa estranheza à possibilidade de trabalhar, por exemplo, junto a uma quadra de tênis ou campo de futebol.
No entanto, há de se considerar que o esporte não é, hoje, apenas um espetáculo onde os indivíduos vivenciam superações e se realizam, mas é, também, um meio no qual os atletas incorporam papéis que se misturam a sua própria identidade, ao seu próprio self.
O que torna possível afirmar que existe um elemento neste cenário, que está além da habilidade motora, o chamado fenômeno psicológico, co-responsável pela produção de ações e reações que mobilizam não só atletas, mas todos aqueles que direta ou indiretamente estão envolvidos com o esporte. E é este o fenômeno, que tem sido responsável por reformular, segundo Bastos e Achcar (1994), os esquemas conceituais que embasam a atuação profissional do psicólogo, não só no campo da Psicologia do Esporte, mas em outros campos de atuação.
Para os autores, o traço distintivo de tal mudança consiste na busca de compreender o indivíduo e os fenômenos psicológicos de forma integrada a outros fenômenos, especialmente aqueles de cunho social, cultural e político (p. 305-306).
Ou seja, o que muda na intervenção do psicólogo esportivo é apenas o tipo de atividade trabalhada – o esporte – e os requisitos que são necessários ao bom desempenho do profissional da área. A prática do psicólogo esportivo se assemelha às demais atividades de psicólogos que lidam com a questão do trabalho, mudando, portanto, apenas o cenário (Bonfim, 1994, p. 275).
Mas, se a “única” mudança que o psicólogo enfrenta para trabalhar no campo da Psicologia do Esporte é seu “locus de intervenção”, como relata Bonfim (1994), por que ainda existem tantos equívocos a respeito de profissionais, que acabam exercendo funções que só caberiam ao psicólogo ou psicólogos do esporte e a mais ninguém? Ou ainda, por que a maioria das equipes esportivas e atletas continua privada da intervenção deste profissional?
Talvez a resposta que se pretende fornecer, ao longo deste trabalho, não seja tão “simplista” ou “ingênua” quanto diria, tenha sido a dada por Bonfim (1994). Ao contrário.
Até o momento, algumas hipóteses já foram levantadas, entre elas, a contradição existente entre a demanda de veículos de formação e informação oferecidas aos profissionais e as queixas destes mesmos profissionais sobre a dificuldade de encontrar formação e informação adequadas para aprimorar seu conhecimento neste campo; a re-estruturação da própria Psicologia enquanto área de conhecimento e enquanto campo de intervenção, que passa, necessariamente como já mencionado, pela reforma curricular dos cursos de formação inicial e, por que não dizer, dos cursos de formação lato e stricto-sensu. Em outras palavras, talvez antes de se perguntar o porquê de muitos profissionais assumirem funções ou intervenções que, legalmente, não lhes pertence, seja necessário perguntar o quê, na verdade, faz um psicólogo do esporte, quais são suas funções e, em que competências essas funções estão alicerçadas.

A Psicologia no Brasil

A Psicologia no Brasil: história da construção de uma ciência e sua práxis

Buscar analisar a história de qualquer ciência se constitui numa tarefa complexa e, muitas vezes difícil, já que seu processo de construção é contínuo e dinâmico. E, no caso da Psicologia, isso não é diferente. A compreensão do processo de construção histórica de uma área de conhecimento é tão imprescindível quanto o conteúdo de suas teorias e o domínio de suas técnicas que, tomando atemporalmente, são meros fragmentos de uma totalidade que não se consegue efetivamente apreender (Antunes, 2001; p. 9).
Como protagonistas desse cenário, muitos pesquisadores têm contribuído para atualizar ou acrescentar maior conhecimento à humanidade através de estudos e pesquisas que mostram a história da Psicologia sob vários aspectos: científico, prático e da diversidade. Entre eles podemos citar Figueiredo (1992) que tem, através de suas publicações, trilhado um caminho para entender melhor essa ciência nascida no final do séc. XIX; Achcar (1994); Vilela, Cerezzo e Rodrigues (2001), pesquisadores responsáveis pela publicação do Caderno Clio-Psyché10; Antunes (2001); Massimi e Guedes (2004), além de outros pesquisadores ligados aos órgãos oficiais, CFP e CRP (Conselho Regional de Psicologia). Todos, sem exceção, têm apontado as inúmeras mudanças e crescimento nesta área. Por esse motivo e, em virtude do valor das informações contidas em suas obras, estes e outros autores foram utilizados como referência na construção desta lição.
Na intenção de entender as raízes da Psicologia e seus reflexos para a Psicologia dos dias atuais, procurou-se resgatar o processo que culminou no seu desenvolvimento enquanto ciência, inicialmente na Europa e, logo após, no Brasil já que: ao percorrer a história das idéias psicológicas ao longo da cultura brasileira é possível evidenciar muitos dos conceitos utilizados pela Psicologia moderna que possuem raízes no passado (Massimi, 2004, p. 65). No entanto, para isso é necessário inicialmente entender como surgiu o que chamamos hoje de psicológico.
Figueiredo (1996), em uma de suas obras, afirma que o psicológico nasceu ou foi inventado, a partir do que foi expurgado de um sujeito supostamente unitário e soberano que, no final no séc. XIX viveu seu apogeu e sua dissolução ao começar a perceber que o homem não ocupava o centro do mundo (p. 15). A partir daí, na busca do entendimento desse sujeito, na intenção de restaurar o humanismo, começaram a surgir as chamadas psicologias, representadas por diferentes escolas que tinham, até aquele momento, como objetivo estabelecer uma subjetividade indissociável.
O homem, portanto, antes regido por uma razão que, até então, estava submetida à fé, representante de um poder centralizador, sofreu transformações a partir do surgimento do capitalismo. Este foi responsável pelo aparecimento de novas necessidades, fazendo o homem ir à busca de um conhecimento que deveria ser produzido por ele e não mais pela fé. Os dogmas da Igreja passaram a ser questionados e a racionalidade tornou-se a grande arma para a construção desse novo conhecimento.
Era preciso quebrar a idéia de universo estático para poder transformá-lo. Era preciso questionar a Natureza como algo dado para viabilizar a sua exploração em busca de matérias primas.
Estavam, portanto, dadas as condições materiais para o desenvolvimento da ciência moderna (Bock, Furtado & Teixeira, 1999; p.38).
Desde então, o conhecimento científico procurou avançar, na modernidade, através de análises rigorosas do ponto de vista metodológico. As idéias mais claras e simples, os objetos reduzidos em sua complexidade, a possibilidade de quantificação dos fenômenos transformaram-se em pré-requisitos para um conhecimento rigoroso e sistemático da natureza, condição para que um saber almeje o status de científico (Mancebo, 2004; p.12).
O modelo de racionalidade, portanto, passa a se estender progressivamente às ciências sociais e humanas emergentes assim como às questões relacionadas ao individual e ao coletivo, resultando em estudos voltados à necessidade de novas teorizações que dessem conta dos interesses individuais, da vida em sociedade recém-inaugurada, bem como ao duplo processo de individualização/integração em que se sustentava a formação dos estados modernos (Mancebo, 2004; p. 12). Surgem, então, as primeiras ciências sociais voltadas a desenvolver teorias sobre a economia, política, o Estado, o social e também as primeiras ciências psicológicas encarregadas dos indivíduos, suas paixões, pulsões e interesses (Mancebo apud Mancebo, 2004).
O capitalismo, portanto, se constitui num fator determinante na construção da Psicologia enquanto ciência mas, segundo Antunes (2001), não foi o único. Ele foi, utilizando uma linguagem simbólica da autora, o terreno fértil e propício que deu o substrato para que a Psicologia se desenvolvesse e pudesse alçar à condição de ciência independente (p. 115). O processo de constituição da Psicologia foi multideterminado: não um, mais vários fatores contribuíram para a construção do seu conhecimento científico, incluindo as influências da Fisiologia, Neuroanatomia e Neurofisiologia que alavancaram o entendimento da Psicologia em relação ao homem através de descobertas importantes como, por exemplo, a de que a doença mental era fruto da ação direta ou indireta de diversos fatores sobre as células cerebrais (1846), ou ainda que a atividade motora nem sempre está ligada à consciência, pelo fato de não estar necessariamente na dependência dos centros cerebrais superiores (Bock, Furtado & Teixeira, 1999).
Adquirindo o status de ciência autônoma formada por diversas correntes, a Psicologia desenvolveu campo e objeto próprios, diferenciando-se em relação às demais ciências, ao adotar outros métodos e outras metas de investigação. A matéria prima da Psicologia passou a se constituir no homem em todas as suas expressões: as visíveis (nosso comportamento) e as invisíveis (nossos sentimentos), as singulares (porque somos o que somos) e as genéricas (porque somos todos assim)- é o homem-corpo, homem-pensamento, homem-afeto, homem-ação, tudo isso como síntese de uma subjetividade (Bock, Furtado & Teixeira, 1999; p.23).
Já no Brasil, o reconhecimento da Psicologia enquanto ciência também não foi diferente. Alicerçada, inicialmente pela Medicina e Educação, a Psicologia conquistou espaço na necessidade de uma nova visão do homem e da sociedade. Através da demanda produzida pelo país de solucionar seus problemas, promover a educação, propiciar infraestrutura para a saúde e etc, a preocupação com os fenômenos psicológicos se tornou intensa propiciando, por assim dizer, condições para a busca de novos conhecimentos, muitos deles “importados” por brasileiros do exterior que, na época, foram em busca de uma formação superior que, como veremos a seguir, só foi criada no país no final do séc. XIX (ver p. 13). Talvez, por conta disso, o período que compreende a última década do séc. XIX à terceira década do séc. XX tenha sido considerado o momento histórico em que a Psicologia alcançou sua autonomia em relação às outras áreas de conhecimento, tornando-se reconhecida como ciência independente e, principalmente, integrada a vários e importantes campos da vida social brasileira, quer pela sua própria produção teórica, por sua prática ou até mesmo pelo fornecimento de técnicas aplicáveis às situações mais amplas que a própria Psicologia (Antunes, 2001; p. 116).
No entanto, numa pesquisa realizada por Massimi (1990), que abrange a História da Psicologia Brasileira- da época colonial até 1934, encontram-se fatos que comprovam que a manifestação pelo entendimento dos conhecimentos psicológicos se dá muito antes do séc. XIX. A mesma autora, em 2004, em um capítulo intitulado “As idéias Psicológicas na produção cultural da Companhia de Jesus no Brasil do séc. XVI e XVII” descreve que ao analisar a produção luso-brasileira colonial, verificou que delineavam-se temáticas mais relevantes no que diz respeito a conhecimentos e práticas psicológicas, assim como se destacava o papel significativo que alguns indivíduos exerciam, especialmente expressivos e atuantes no âmbito da cultura oficial ou da cultura acadêmica e popular brasileira (p. 27). Um exemplo dessa expressividade e atuação sob o povo brasileiro foram os jesuítas.
Formados pelo Colégio das Artes de Coimbra, palco de um dos movimentos filosóficos da época (Segunda Escolástica Ibérica12), eles chegaram ao Brasil após 1549 assumindo a função de portadores e transmissores da tradição medieval e renascentista da Europa, no contexto da colônia.
Através de seus ensinamentos, estimularam idéias, sonhos e desilusões, riquezas e contradições. A educação, portanto, era reconhecida como instrumento privilegiado para criar um novo homem e uma nova sociedade no Novo Mundo, ou seja, as Américas seriam o terreno fértil para se fecundar essa utopia, já que na Europa isso não foi possível. Para colocar em prática tal objetivo, os jesuítas viam na criação de escolas um dos caminhos possíveis para a realização do ideal preconizado (Massimi, 2004). Além disso, segundo a autora, este empreendimento acarretava a necessidade de formular conhecimentos e práticas de caráter pedagógico e psicológico (p. 29), o que mais tarde, seria identificado no conhecimento de si e do diálogo interpessoal, ambos promovidos pelo desenvolvimento da espiritualidade, recurso este utilizado pela Companhia na formação de seus membros.
Vale ressaltar que os jesuítas também receberam fortes influências dos textos de Aristóteles. Os comentários redigidos pela Companhia, encontrados em Comentários Conimbricenses à Ética a Nicômano, impressos em Lisboa em 1593, já que no Brasil, na época não havia imprensa, nos mostram que a concepção psicológica é claramente inspirada na tradição aristotélico-tomista13 onde a alma é definida como o ato primeiro e substancial do corpo, a forma do corpo e o princípio de toda atividade (Massimi, 2004; p.31-32). Mas além deste, outros tópicos de natureza psicológica também foram identificados neste período retratando a contínua preocupação com a formação do indivíduo: as noções acerca da estrutura e da dinâmica psicológica do homem (vontade, intelecto e apetite sensitivo), as noções acerca dos estados da alma definidos como paixões, e as relações entre as virtudes (hábitos) e as paixões (Massimi, 2004; p. 33).
Já nos séculos XVII e XVIII, a história das idéias psicológicas foi marcada por uma experiência bastante peculiar vivenciada pelos autores brasileiros: o do autodidatismo.
Naquele momento, o país ainda se resumia apenas numa colônia de exploração. Portugal visava o lucro e, portanto, decidia o que deveria ou não ser produzido e a maneira de fazê-lo.
Não havia universidades e escolas de terceiro grau no território nacional para os jovens brasileiros, o que acabou acarretando um êxodo dos mesmos para outros países com o objetivo de adquirir conhecimento. Aqueles que aqui ficaram adquiriram sua formação cultural num cenário bem diferente das grandes universidades da época: buscaram realizar seus estudos num contexto hostil, marcado pela desigualdade social, mas em momento algum, deixaram de produzir obras que de forma significativa, influenciaram o desenvolvimento das idéias psicológicas (Massimi, 2004).
Vários foram os autores que abordaram o tema, relacionando-o principalmente às condições vivenciadas pelo indivíduo. Entre eles podemos citar: Souza Nunes (1734-1808), Matias Aires Ramos da Silva de Eça (1705-1770), Francisco de Mello Franco (1757-1822), José Bonifácio de Andrade e Silva (1763-1838), este último teve algumas de suas obras analisadas por Massimi (2004).
Enquanto os jesuítas estavam preocupados em ensinar, corrigir, aconselhar e oferecer regras de várias naturezas aplicáveis universalmente, estes autores propunham a observação e reflexão da experiência individual, colocada como ponto de partida da realidade social. Mesmo caracterizando uma dispersão e isolamento, evidentes dos pensadores brasileiros, fruto talvez da desintegração da visão social ampla do séc. XVI (Morse apud Massimi, 2004), algumas idéias psicológicas são identificadas nesse período através das obras dos autores citados: o tema da existência humana como transformação, mudança, movimento; tristeza e pessimismo (marcado pela condição social que o indivíduo vivenciava na época); o conhecimento humano e suas limitações; a vaidade do homem apontada como limitação da própria razão humana, incapaz de atingir a verdade por estar presa à dinâmica das paixões e, ao que parece o início da apropriação da Psicologia pelas Ciências Médicas. A obra de Francisco de Mello Franco, por exemplo, publicada em 1813, trazia como premissa que o estado físico do corpo tinha grande influência nas manifestações da alma. Em outras palavras, Mello Franco propunha que a medicina do corpo também daria conta da medicina da alma (Mello Franco apud Massimi, 2004; p. 61). Mas Mello Franco apenas antecipou o que seria mais tarde uma realidade no séc. XIX: a produção do saber psicológico seria gerada no interior de outras áreas de conhecimento, fundamentalmente na Medicina e na Educação. Este processo, segundo Antunes (2001) ocorreu em decorrência das profundas transformações vivenciadas pelo país naquele período: o Brasil passa de colônia à condição de império, ainda que se mantendo sob o poder da realeza portuguesa, provocando profundas transformações à sociedade (p. 23). Essas transformações geraram a criação de cursos superiores para formar indivíduos capazes de dar conta da nova situação do país. Entre os cursos estavam inseridas as duas escolas médico-cirúrgicas instaladas em Salvador e no Rio de Janeiro, transformadas em 1832, em Escolas de Medicina, a Faculdade de Farmácia (1832), as Escolas de Belas Artes (1877), Direito (1891) e a Politécnica (1897). Essas três últimas derivaram-se da iniciativa privada, formando em 1946 a recém fundada Universidade Federal da Bahia (Rocha, 2004; p. 89).
Mas são nas Escolas de Medicina acima citadas, que se tem registros das primeiras teses publicadas sobre assuntos psicológicos. Na época, os médicos para adquirirem o título de doutor, precisavam, como em qualquer profissão nos dias de hoje, defender uma tese de doutoramento ou inaugural, que lhe conferia o título. Alguns dos trabalhos encontrados segundo Antunes (2001), tratavam, grosso modo, de temas relacionados à Psiquiatria, Neurologia, Neuriatria, Medicina Social e Medicina Legal. No entanto, muitas dessas teses antecedem a criação formal de uma cátedra afim às questões psicológicas, já que a primeira delas foi criada em 1881 e denominada de “Clínica das Moléstias Mentais” e o registro que se tem de teses que tratam do fenômeno psicológico data de 1836 (p. 27).
Os assuntos mais freqüentes encontrados nos conteúdos das teses foram amizade, amor, gratidão, amor pela pátria, sexualidade (cópula, onanismo, histeria, ninfomania, prostituição) e epilepsia, esta relacionada ao crime (área da Medicina Legal). Mas, foi só ao final desse período que os temas mais próximos da Psicologia começaram a surgir, revelando características de maior rigor metodológico bem como uma base científica mais apurada. Um exemplo foi uma tese14 defendida no final do séc. XIX, considerada por alguns autores como sendo o primeiro trabalho de Psicologia Experimental, baseado em número significativo de dados obtidos experimentalmente com o uso do psicômetro de Buccola (Antunes, 2001).
A partir daí, encontram-se também teses na área da Medicina Social, priorizando melhores condições de saneamento das cidades e saúde da população que, até então, eram extremamente precárias. Em 1830, também se iniciam as primeiras reivindicações para criação de hospícios já que “os loucos” eram normalmente encarcerados em prisões comuns, ou reclusos em celas especiais das Santas Casas ou ainda, abandonados pelas ruas.
O resultado desse movimento gerou, em 1842, a criação do Hospício Pedro II no Rio de Janeiro. Assim como em outros países da Europa, “os loucos” eram afastados de sua família, da sociedade para assumir uma rotina de isolamento, vigilância, distribuição e organização de tempo com vistas à repressão, controle e individualização (Antunes, 2001; p.30).
Já no que diz respeito às influências exercidas pela Educação na produção do pensamento psicológico, encontram-se as correntes de pensamento herdadas da Europa. O liberalismo, o positivismo, a forte presença do tomismo e do empirismo, o espiritualismo francês e o idealismo alemão são algumas das correntes que constituíram, em seus conteúdos, questões relacionadas à natureza psicológica. Vale ressaltar que estes conteúdos eram encontrados nos programas dos cursos superiores criados neste século, sobretudo em obras filosóficas escritas por teólogos, médicos e professores. Segundo Antunes (2001), tais obras consideravam a Psicologia como parte integrante da metafísica, tendo como objetivo de estudo geralmente “a alma”, “o espírito” e “o eu” (p. 25).
Outra influência apontada pela autora em relação ao desenvolvimento do pensamento psicológico foi a preocupação pedagógica da época. Os profissionais designados à educação entendiam que os métodos de ensino envolviam não só o conteúdo a ser ensinado, mas principalmente a necessidade de conhecimento sobre o educando e à formação do educador, o qual deveria dominar esse saber para realizar mais eficazmente sua ação pedagógica (p. 25). Passa-se a se esboçar, portanto, uma sistematização que irá assumir dimensões maiores no séc. XX, buscando maior aprofundamento e especialmente maior rigor metodológico em seu estudo, o que, historicamente, culmina com o reconhecimento da Psicologia como ciência na mesma época, na Europa e, em seguida nos Estados Unidos.
Pode-se dizer, portanto, que a virada do século caracterizou um intenso desenvolvimento da ciência psicológica em todas as instâncias, quer no plano teórico, destacando-se a diversidade de abordagens surgidas nessa época, como o aumento significativo na produção de pesquisas-quer no plano prático, em que esta ciência penetrou e ampliou seu potencial de aplicação (Antunes, 2001; p. 37).
Mesmo assim, a Psicologia no Brasil ainda permaneceu ligada a outras áreas do saber por muitos anos e, só gradativamente, foi delas se separando e assumindo seu espaço próprio por meio da definição e delimitação cada vez mais explícitas de seu objeto de estudo e seu campo próprio de ação.
O Brasil da década de 1930 traz um cenário de diversas transformações, entre elas o início do processo de industrialização que acaba mobilizando no país, a necessidade de otimização do trabalho assim como a eficientização do processo educacional como uma possibilidade de atender uma parcela significativa dos problemas referentes à força de trabalho (Mancebo apud Mancebo, 2001). Portanto, as primeiras intervenções psicológicas no Brasil ocorreram junto aos trabalhadores que, na época, passaram a ser selecionados para trabalhar nas indústrias e no comércio, a partir da criação do Departamento do Serviço Público (DASP), no governo Getúlio Vargas, através de concursos. Cabia à Psicologia avaliar aptidões e habilidades dos indivíduos como um critério de alocação dos sujeitos no trabalho promovendo, ao lado do aperfeiçoamento técnico, uma adaptação mais harmoniosa e produtiva aos cargos e funções (Mancebo, 2001; p. 3-4). Isso significou, do ponto de vista da intervenção, a aplicação de testes psicológicos e descoberta de aptidões profissionais individuais e seleção/orientação prévia para o mercado de trabalho. Um exemplo disso foi o curso ministrado em 1945 na Fundação Getúlio Vargas, pelo professor Mira y Lopes, figura de relevo internacional no campo da Psicologia Aplicada ao trabalho, cujo tema foram os problemas enfrentados em seleção, orientação e readaptação (Mancebo, 2001).
Além deste, outros fatos históricos auxiliaram no crescimento da Psicologia não só enquanto ciência, mas enquanto campo de atuação.
Observa-se que houve um amadurecimento da Psicologia entre 1953 e 1962, período este em que o número de atividades realizadas aponta para indícios de uma maior organização e sistematização tanto da área de conhecimento quanto da profissão. Não à toa, os esforços dos profissionais engajados nessas e outras atividades resultaram, mesmo com a reivindicação de um grupo de médicos pelo veto ao exercício da psicoterapia por profissionais que não tivessem formação em Medicina17, na aprovação da lei nº 4119, em 27 de agosto de 1962, que reconhecia a profissão de psicólogo no país. Esta lei foi acompanhada por uma ementa que dispunha sobre os cursos de formação deste profissional e fixava seu currículo mínimo.
Também em 1962, a Portaria nº 227 baixada pelo Ministério da Educação, designou uma comissão de professores de Psicologia e de especialistas em Psicologia Aplicada para apreciar a documentação de candidatos ao registro profissional de psicólogo. No entanto, por falta de atos complementares à lei, a comissão não conseguiu dar início às atividades naquele ano, dando continuidade ao processo apenas em 1963, quando, nova portaria garantindo as necessidades legais, possibilitou o início dos trabalhos da comissão que recebeu, só nesta época, 1.511 pedidos para a obtenção do registro profissional. Estes profissionais, pode-se afirmar, foram os primeiros psicólogos reconhecidos legalmente no país, cuja formação superior fora obtida principalmente em Pedagogia e Filosofia permitindo ao Brasil, o lugar de um dos primeiros países do mundo a aprovar e regulamentar legalmente a profissão de psicólogo (Massimi, 1990; p. 1).
Mas a luta só estava começando afinal, da mesma forma que a situação política do país alavancou o desenvolvimento da Psicologia e seu reconhecimento como profissão, assim também provocou inúmeras adversidades através dos acontecimentos ocorridos na época, como por exemplo, o Golpe de 64 e a Reforma Universitária de 1968.
É, também, no decorrer desse período que acaba se observando um aumento significativo das Instituições de Ensino Superior (IES) no setor privado. As IES funcionavam, na maioria das vezes, em condições precárias oferecendo cursos que não necessitavam nada mais do que salas de aula e professores, estes últimos nem sempre possuíam a qualificação esperada para formar novos profissionais (Antunes, 2004). Ainda assim, a procura pelos cursos superiores aumentou consideravelmente, da mesma maneira que o interesse pela Psicologia.
Na verdade, pelo fato do curso de Psicologia não significar, naquela época, muito investimento para as instituições no que diz respeito a sua estrutura na utilização de material, equipamentos de laboratório, etc, as IES particulares passaram a deter o maior número de cursos de Psicologia e conseqüentemente, a responsabilidade na formação dos futuros psicólogos a caminho do mercado de trabalho.
Os psicólogos encaminhados ao mercado de trabalho passaram, então, a responder a uma demanda maior do que a realidade, provocando saturamento, desemprego quando, não obstante, mão de obra inadequada apontada por Antunes (2004) quando se refere por exemplo, à discussão fomentada na época, entre Psicologia e Educação, um dos primeiros campos de intervenção do psicólogo fora da clínica: ou seja, de um lado, o conhecimento psicológico estava incorporado aos diferentes aspectos da Pedagogia e à prática profissional dos educadores; por outro lado, a atuação do psicólogo na escola estava muito mais calcada numa perspectiva clínica, ocupando-se do atendimento individual de crianças designadas como portadoras de problemas de aprendizagem (Antunes, 2004; p.141).
Não diferentemente do que se esperava, duras críticas foram feitas, tanto por psicólogos quanto por educadores, em relação à atuação dos psicólogos na escola apontando para uma deficiência na adequação do fazer deste profissional. Houve até um momento, em que muitos dos psicólogos desacreditaram na possibilidade da Psicologia contribuir com as questões educacionais, o que mobilizou a inibição de muitos psicólogos, na época, em dar continuidade ao trabalho na escola, já que a expectativa de sua atuação estava voltada para a clínica e não para intervenções pedagógicas e coletivas. Os poucos trabalhos que conseguiram intervir no espaço escolar de maneira mais ampla, foram aqueles que se firmaram e permitiram ao longo dos anos, o desenvolvimento da Psicologia Escolar (Antunes, 2004).
Em outras palavras, o exemplo acima citado serve para demonstrar que todos os campos de atuação delimitados pela Psicologia ao longo de sua trajetória tiveram seu saber e saber fazer questionados por outros profissionais que, a princípio se consideravam, por sua formação e prática, “proprietários” do conhecimento que caracterizava esses campos.
O problema, no entanto, é que muitas vezes, os questionamentos acabaram por se concentrar não só no campo das idéias (delimitação de espaços e habilidades), o que teria contribuído e muito, para o crescimento de ambos, mas sim, na substituição do profissional de Psicologia por outro, que se julgava capaz de exercer o mesmo tipo de trabalho ou intervenção do psicólogo.
Por conta disso e de outros fatores caracterizados na emergência de discutir o papel do psicólogo nos dias atuais, a Psicologia se viu com a missão de, não só regulamentar, legalmente, os campos de atuação do psicólogo, mas, principalmente, discutir continuamente os saberes que envolvem e alicerçam sua prática.
Esse movimento pode ser comprovado por diversas publicações, organizadas por profissionais da área, principais escritores dessa história, que têm produzido conhecimento através de pesquisas que auxiliam na formalização da atuação do psicólogo nos mais diversos campos nos quais têm atuado, ultimamente, incluindo aqueles que, há algum tempo atrás, não eram reconhecidos como possibilidade para o psicólogo. É o caso da Psicologia do Trânsito, Psicologia Jurídica, Psicologia do Esporte (tema desse curso), entre outros.


Psicologia do Esporte no Brasil

Psicologia do Esporte no Brasil: trajetória e rumos de um campo em construção


Para se compreender a Psicologia do Desporto, quer quanto às teorias que a fundamentam, como quanto a sua aplicação prática, é necessário perceber em que consiste o seu conceito, qual o seu percurso histórico e o seu estado actual (Araújo, 2002; p. 9).

Ao iniciar esta lição citando Araújo, in Serpa e Araújo (2000), é possível perceber que a preocupação com a Psicologia do Esporte não se restringe apenas aos profissionais que compõem o cenário brasileiro. Profissionais de outros países, já há algum tempo, têm desenvolvido trabalhos e pesquisas na tentativa de delinear e compreender o perfil da Psicologia do Esporte dentro de sua realidade específica.
Sendo assim, sem isentar fatos e acontecimentos de outros países que tenham influenciado, em algum momento, a história da Psicologia do Esporte no mundo e, em particular, a “nossa história”, o presente capítulo tem como objetivo definir e compreender a trajetória da Psicologia do Esporte no Brasil, identificando em que bases se alicerçam seus fundamentos teóricos, como tem se constituído seu processo de evolução ao longo do tempo até os dias de hoje, assim como as necessidades contempladas em função do seu contínuo crescimento.
Para tal, acredita-se que o ponto de partida para contar essa história se inicie, a partir do que a literatura nacional traz a respeito da definição de Psicologia do Esporte. No entanto, acredita-se ser importante considerar, antes de recorrer às definições de autores nacionais a respeito do tema, que existem inúmeras definições sobre Psicologia do Esporte. Algumas, inclusive, encontram-se concentradas em capítulos de duas publicações da literatura nacional que também discutem a história e o papel da Psicologia do Esporte no Brasil: Barreto (2003) e Franco (2004). Veja quadro a seguir:

Nomes dos autores estrangeiros e nacionais que definem a Psicologia do Esporte
psicoesporte
De acordo com o quadro acima, é possível contabilizar em Barreto (2003; p. 62-63) 12 definições sobre Psicologia do Esporte. Destas 12 definições, no entanto, apenas três são de autores nacionais: Da Silva (1967), Becker Jr. (2000) e Barreto (2001). Já Franco (2004; p. 34-36), apresenta 16 definições sobre o tema e, da mesma forma que em Barreto (2003), apenas três delas são referência nacional: Samulski (1992), Machado (1997) e Becker Jr. (2000). Também é possível observar, a partir desses dados, que tanto Barreto (2003) quanto Franco (2004), têm 6 citações de autores em comum, como Lawther (1972; 1973), Singer (1977; 1978)21; Thomas (1983; 1983), Cratty (1984; 1989), Casal (1996; 1996), além de Becker Jr. (2000; 2000).
Não seria possível afirmar, mas talvez levantar a hipótese de que estes seis autores poderiam ser aqueles cujas definições de Psicologia do Esporte aparecem com maior freqüência nas publicações sobre o assunto. Além disso, um outro dado importante e este sim, relevante à discussão que se propõe aqui, é com relação aos autores nacionais. De acordo com o Quadro anterior, ao somar os autores nacionais citados por Barreto (2003) e Franco (2004), obtêm-se cinco definições sobre Psicologia do Esporte (incluindo Becker Jr.), comum para ambos os autores, num período que vai de 1968 (Da Silva) até 2000 (Becker Jr.). Ou seja, em 38 anos, de acordo com estes autores, a Psicologia do Esporte no Brasil foi definida de cinco formas diferentes o que, num primeiro momento, pode refletir não só a diversidade, mas a dificuldade de se chegar a um consenso sobre então o que é a Psicologia do Esporte?
Mesmo Franco (2004), ao discutir as diferentes definições sobre Psicologia do Esporte, já aponta para essa preocupação sobre as divergências encontradas na compreensão desta jovem ciência. Segundo a autora, um dos motivos que levaria a essa realidade é que, ao se deparar com diferentes definições, depara-se conseqüentemente, com a forma como cada autor enxerga a Psicologia do Esporte, seus objetivos e aplicação.
Nesse caso, levando-se em conta os dados apresentados no Quadro anterior, haveria ainda 22 definições, ou melhor, 22 autores diferentes definindo a Psicologia do Esporte, de acordo, não só com sua formação teórica, mas a realidade na qual esse autor está inserido, cultura, experiência prática e etc.
Vale relembrar, no entanto, que este capítulo não tem como objetivo discutir toda e qualquer definição dada para a Psicologia do Esporte ao longo de quase 100 anos (se levar em conta o primeiro encontro científico realizado em 1913, em Lausane-Suíça), o que, só pela sua extensão, já acarretaria num novo curso, mas sim, propor a reflexão e discussão sobre a Psicologia do Esporte no Brasil, tomando-se como base publicações nacionais mais recentes como Becker Jr. (2000), Samulski (2002), Barreto (2003) e Franco (2004) que trazem, em suas obras, definição e discussão sobre o tema em questão.
Sendo assim, ao se deparar com as definições dadas por estes autores sobre Psicologia do Esporte, já é possível observar diferenças, ou na forma como os mesmos definem a Psicologia do Esporte, ou na escolha que realizam de definições já publicadas por outros autores. Veja a seguir:
É a disciplina que investiga as causas e os efeitos das ocorrências psíquicas que apresenta o ser humano antes, durante e
após o exercício ou o esporte, sejam estes de cunho educativo, recreativo, competitivo ou reabilitador (Becker, 2000; p. 19).
A Psicologia do Esporte representa uma das disciplinas da Ciência do Esporte e constitui um campo da Psicologia Aplicada.
Segundo Nitsch (1989:29) a “Psicologia do Esporte analisa as bases e efeitos psíquicos das ações esportivas, considerando por um lado, a análise de processos psíquicos básicos (cognição, motivação, emoção) e, por outro lado, a realização de tarefas práticas do diagnóstico e da intervenção” (Samulski, 2002; p. 3).
A Psicologia do Esporte é a ciência do comportamento que visa auxiliar e exercitar o treinador e os atletas de alto rendimento, através de uma metodologia de preparação psicológica, voltada para o desenvolvimento e aprimoramento das habilidades psicomotoras no tocante à auto-eficácia e à auto-eficiência, na adaptação ao estresse pré-competitivo e, como principal meta, capacitá-los cognitiva, emocional e psicomotoramente, noenfrentamento adaptativo do estresse agonístico, na busca da máxima eficiência nas suas performances (Barreto apud Barreto, 2003; p. 62).
A Psicologia do Esporte se interessa pelos fatores psicológicos que influenciam a prática do esporte e do exercíciofísico, assim pelos efeitos psicológicos que derivam dessa participação (Williams apud Franco, 2004; p. 35).

Baseando-se nessas definições acima descritas, é possível identificar contradições e semelhanças a respeito do que é e a que se propõe a Psicologia do Esporte no Brasil.
Segundo Becker Jr. (2000), por exemplo, a Psicologia do Esporte denominada por ele de Psicologia Aplicada ao Esporte e ao Exercício é uma disciplina científica, cujo campo profissional está associado a três áreas distintas: Prática do exercício e do esporte, Psicologia e outras ciências. Ou seja, segundo este autor, há uma subdivisão clara da Psicologia do Esporte: em primeiro lugar, a Psicologia associada à prática de exercício e esporte estaria estudando questões emocionais originadas pelo praticar exercício e/ou esporte. Nessa direção, afirma Becker Jr.: A Psicologia objetiva também, estudar o efeito do exercício sobre a área emocional do ser humano normal como aquele portador de patologias (2000, p. 20). Em segundo lugar, submetida à área da Psicologia, a Psicologia do Exercício e Esporte fudamentaria-se nas diferentes linhas da Psicologia e, de um modo geral, como subdisciplina desta, contribuiria para seu maior entendimento (p. 20). E, em terceiro e último lugar, submetida ao que o autor chama de outras ciências, a Psicologia do Exercício e do Esporte ocuparia o lugar de uma disciplina entre as ciências do Movimento Humano e as Ciências do Esporte. Em outras palavras, o profissional em atuação nesta área poderia ganhar conhecimento específico através de investigações, utilizando abordagens interdisciplinares, ou seja, usando o conhecimento de outras ciências (p. 20).
Aparentemente, a definição dada por Becker Jr. (2000), parece ser, à primeira vista, a que mais abrange possibilidades de intervenção para a Psicologia do Esporte, não fossem algumas questões que merecem ser levantadas. A primeira se refere à afirmação do autor em relação à Psicologia do Esporte como sendo uma disciplina e não um campo de intervenção da Psicologia como já reconhecido e mencionado ao longo deste trabalho. Isso significa que, no papel de disciplina e não de campo de intervenção, a Psicologia do Esporte poderia estar inserida em qualquer área, cujos interesses estão relacionados ao seu conteúdo, portanto, às Ciências do Movimento Humano e às Ciências do Esporte, como o próprio Becker Jr. afirma (2000; p. 20).
Como conseqüência, ao assumir essa posição, a Psicologia do Esporte, neste sentido, seria vista apenas como uma disciplina acadêmica, cujo conteúdo abrangeria teorias e métodos que permitissem ao aluno aprender como lidar emocionalmente com um indivíduo que pratica exercício ou esporte, já que as ciências acima citadas são ciências que reconhecem a Educação Física como uma de suas áreas (Reis, 2002; Tubino, 2002). Nesta mesma linha de raciocínio, ainda Becker Jr. teria estabelecido a Psicologia do Esporte como subdisciplina da Psicologia, ou seja, como uma nova disciplina submetida a uma outra, dentro da própria Psicologia.
A Psicologia do Esporte, portanto, seria tanto uma disciplina da Psicologia como da Educação Física e, dessa forma, tanto psicólogos como educadores físicos poderiam aprender e desenvolver trabalhos nesta área (?), campo (?), disciplina (?) ou subdisciplina (?).
Já a definição de Samulski (2002), além de demonstrar a influência de um autor estrangeiro (Nitsch), estabelece que a Psicologia do Esporte é uma disciplina das Ciências do Esporte e um campo da Psicologia aplicada. Ao fazer essa afirmação, o autor assume que a Psicologia do Esporte está inserida em duas áreas distintas da ciência que contêm, em suas características, referenciais teóricos e conteúdos bastante diferenciados.
Um outro aspecto a ser levantado é que, ao endossar a afirmação de Nitsch que, a “Psicologia do Esporte analisa as bases e efeitos psíquicos das ações esportivas, considerando por um lado, a análise de processos psíquicos básicos (cognição, motivação, emoção) e, por outro lado, a realização de tarefas práticas do diagnóstico e da intervenção”, Samulski defende um fazer da Psicologia do Esporte, inicialmente, voltado apenas ao alto rendimento, já que o mesmo não esclarece o que ele denomina de “ações esportivas”, ou seja, se essas ações são apenas voltadas à competição ou também se incluem ações de lazer e saúde.
A terceira definição aqui relacionada é a definição de Barreto (2003). Essa definição já deixa explícito que não existe qualquer outro fazer da Psicologia do Esporte que não seja o do alto rendimento. Sem hesitação, o autor afirma que o trabalho de intervenção está focado diretamente para o desenvolvimento e aprimoramento das habilidades psicomotoras no tocante à auto-eficácia e à auto-eficiência, na adaptação ao estresse pré-competitivo e, como principal meta, capacitá-los cognitiva, emocional e psicomotoramente, no enfrentamento adaptativo do estresse agonístico (p. 62). Qualquer que seja o trabalho de orientação psicológica, este deve estar voltado ao sucesso e à superação do atleta, visando sempre a máxima eficiência nas suas performances. Em outras palavras, a Psicologia do Esporte, baseada nesta definição, não teria espaço no esporte de reabilitação, atividade física, projeto social e etc, ou, se abrangesse todas essas possibilidades, talvez não se chamasse Psicologia do Esporte.
Ainda em Barreto (2003), um outro dado importante que aparece na sua definição é quando afirma que a Psicologia do Esporte é a ciência do comportamento. Se analisado por esse prisma, é possível sugerir duas interpretações: a primeira é de que, sendo uma ciência do comportamento, a Psicologia do Esporte poderia estar inserida em qualquer uma das ciências reconhecidas como ciências do comportamento como a Antropologia, Sociologia e a própria Psicologia (que teve sua origem, inicialmente, como ciência do comportamento através dos experimentos realizados em laboratório no final do séc XIX). Em segundo lugar, essa afirmação também pode levar ao entendimento de que a Psicologia do Esporte seria uma ciência relacionada à Análise do Comportamento, ou seja, uma das abordagens reconhecidas dentro da área da Psicologia voltada a estudar, especificamente, o comportamento do indivíduo.
No entanto, avançando um pouco mais na obra de Barreto (2003), em um capítulo denominado Campos Psicológicos como base da Psicologia Esportiva, é possível encontrar uma postura mais flexível e, ao mesmo tempo, mais determinada do autor, a respeito da Psicologia do Esporte. Afirma Barreto: o esqueleto da psicologia esportiva repousa na riqueza científica das psicologias aplicadas (p. 67). Ou seja, para ele, são os vários campos da Psicologia aplicada que irão alicerçar as bases científicas da Psicologia do Esporte fornecendo, através da sua diversidade, contribuições significativas no que diz respeito ao fazer e ao saber fazer do psicólogo esportivo e por que não do educador físico que, segundo Barreto (2003), costuma usar princípios da Teoria do Reforçamento Contínuo e Intermitente nos seus ensinamentos, na tentativa de motivar o atleta a um desempenho melhor na aprendizagem de sua habilidade técnica (p. 68). Um pouco mais adiante reafirma: um treinador inteligente ajuda o atleta a manter-se dentro dos níveis de sua realidade técnica, encorajando-o a obter mais progressos nas metas estabelecidas (p. 69).
Estas duas frases estão incluídas na explicação dada pelo autor sobre as contribuições de um dos campos da Psicologia à Psicologia do Esporte, a Psicologia Experimental. Além deste, são ainda citados os campos da Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia da Personalidade, Psicologia Educacional, Psicologia Social e Psicologia Clínica. Portanto, para Barreto (2003), a Psicologia do Esporte está voltada ao alto rendimento e, sua base teórica é formada, principalmente, pela contribuição advinda dos vários campos aplicados da Psicologia.
A quarta e última definição não é de autoria de Franco (2004). Na verdade a autora, como já mencionado anteriormente, ao discutir as diferentes definições da Psicologia do Esporte, deixa clara sua preferência pela definição de Williams (1991). Segundo ela, a Psicologia do Esporte ainda é vista por alguns autores como diagnosticadora de percalços esportivos (p. 37), isso quer dizer, voltada apenas a diagnosticar causas de uma enfermidade sem valorizar o fator prevenção. Por conta disso, sua escolha por Williams (1991) se deu pelo fato de acreditar que sua definição abarca tanto a aplicação da Psicologia do Esporte no contexto esportivo como na atividade física, fatores importantes que alguns autores ainda excluem; e, além disso, considera a influência recíproca entre os efeitos psicológicos e a prática do esporte ou do exercício físico, isto é, tanto o esporte quanto o exercício interferem no psiquismo como este pode alterar a prática física (p.33).
O mesmo, no entanto, não pode ser observado nas outras três definições apresentadas por Becker Jr. (2000), Samulski (2002) e Barreto (2003). Nenhuma delas consegue se sustentar por si só. Todas, na verdade, acabam se complementando de uma forma ou outra. Em Becker Jr. (2000) e Samulski (2002), por exemplo, encontram-se pontos comuns: ambos classificam a Psicologia do Esporte não como um campo da Psicologia, mas como uma disciplina das Ciências do Esporte; já as definições de Becker Jr. (2000), Samulski (2002), Barreto (2003) e Williams apud Franco (2004) afirmam que a Psicologia do Esporte investiga, analisa, auxilia e se interessa pelas causas e efeitos dos fatores psíquicos que ocorrem com o atleta.
Das quatro definições, no entanto, apenas Becker Jr (2000) e Williams apud Franco (2004) abordam a Psicologia do Esporte voltada não só para o esporte de alto rendimento, mas também à atividade física, ou seja, a quem apenas pratica um exercício, seja por saúde ou lazer. Nos dois outros autores, Samulski (2002) e Barreto (2003), fica claro que a Psicologia do Esporte está voltada para atletas de alto rendimento, enfocando auto-eficácia, melhora da performance e etc.
Diante dessa realidade, de semelhanças e contradições apresentadas até o momento, torna-se difícil não evidenciar a dificuldade de se definir a Psicologia do Esporte e, conseqüentemente, delimitar seu público alvo, assim como os profissionais aptos a exercer o trabalho de intervenção. Na mesma proporção, não bastando diferentes definições, ainda existem diferentes denominações.
Alguns autores como Becker Jr (2000) e Samulski (2002) costumam usar, para se referir à Psicologia do Esporte o nome Psicologia do Exercício e Esporte ou Psicologia do Esporte e do Exercício; outros preferem apenas utilizar Psicologia do Esporte ou ainda Psicologia aplicada ao esporte e, talvez, o que cause maior discussão seja a denominação Psicologia no esporte. Isso porque, na verdade, a questão não se resume a apenas um nome, mas sim ao que ele pode abranger a partir de sua denominação.
Já fora do Brasil, por exemplo, os termos utilizados normalmente, são Psicologia do Esporte e do Exercício (Sport and Exercise Psychology) e Psicologia do Esporte (Sport Psychology). Mesmo não incluindo o termo Exercício, a segunda denominação não traz contradições na sua definição, quando comparada à primeira. Tampouco, encontram-se discussões em torno da preposição do ou no em Psicologia do Esporte. Este fato pode significar que, em outros países, a Psicologia do Esporte conserva a mesma identidade, no que diz respeito a objetivos e público alvo. Um exemplo que comprova essa afirmação se encontra em Araújo (2002), autor português, citado no início desse capítulo, que procurou, através das definições de autores como Feltz (1992); Gill apud Feltz (1992), Cratty apud Feltz (1992), Singer (1993) e a Federação Européia de Psicologia do Esporte e das Atividades Corporais (FEPSAC) (1995), investigar também o que constituía a Psicologia do Esporte para esses autores.
A conclusão a que Araújo (2000) chegou a partir das definições dos autores e Federação Européia de Psicologia foi a seguinte: de que, a própria FEPSAC, enquanto Federação Européia de Psicologia do Esporte e das Atividades Físicas, criada em 1968 durante o primeiro Congresso Europeu de Psicologia do Esporte, em Varna (Bulgária), com o objetivo de sossegar as divergências até então apontadas pelos autores acima citados pelo autor (p. 10), emitiu sua própria definição de Psicologia do Esporte:
A Psicologia do Esporte diz respeito aos fundamentos psicológicos, processos e conseqüências da regulação psicológica de atividades relacionadas ao esporte, tendo como sujeitos dessa atividade uma ou mais pessoas. O foco pode ser um comportamento ou aspecto (dimensão) psicológico do comportamento humano, seja ele afetivo, cognitivo, motivacional ou sensório-motor. A atividade física pode acontecer num contexto competitivo, educacional, recreativo, preventivo e de reabilitação, incluindo exercícios realizados para saúde. Os sujeitos são todas as pessoas envolvidas em diferentes contextos do esporte e do exercício como atletas, treinadores, juízes, professores, fisioterapeutas, pais, espectadores, etc.
(tradução livre)

Segundo Araújo (2000), essa definição conseguiu satisfazer os dois lados possíveis da Psicologia do Esporte no que diz respeito ao seu objetivo e intervenção: o esporte competitivo e a atividade física, esta última não visando ao rendimento, mas sim, à educação, à recreação, à saúde, ao lazer e à reabilitação.
Já em termos de Brasil, o que se encontra em termos de órgãos representativos da Psicologia do Esporte é bem restrito. Além Sociedade Brasileira de Psicologia do Esporte, da Atividade Física e da Recreação (SOBRAPE), criada em 1979, em Novo Hamburgo-RS, a Sociedade Mineira de Psicologia do Esporte e a Sociedade Gaúcha de Psicologia do Esporte e do Exercício (SOGAPE) e, a Associação Brasileira de Psicologia do Esporte (ABRAPESP), criada em 2003, durante o I Simpósio de Psicologia do Esporte, promovido pelo Instituto Sedes Sapientiae, em SP.
Vale ressaltar, porém, que apenas a Sociedade Mineira de Psicologia do Esporte e a SOGAPE aparecem cadastradas no site da SOBRAPE, recentemente desenvolvido. E aqui é importante um parêntese em relação a essa questão: não fica claro se, a existência de apenas duas Sociedades registradas no site se deve ao fato da pouca divulgação sobre o mesmo, ou se, até hoje, após 26 anos, só estas duas Sociedades se credenciaram.
De qualquer forma, essa iniciativa da SOBRAPE, de criar um site, representa um movimento importante na direção de tornar essa Sociedade mais acessível aos interessados em Psicologia do Esporte e aos profissionais que atuam e/ou contribuem nesse campo.
Resta só saber, se o mesmo também irá ajudá-la a se reafirmar enquanto órgão oficial, ajudando-a a cumprir os objetivos a que tem se proposto desde 1979: dar oportunidade aos profissionais integrados ao esporte reunirem-se e multiplicarem seus conhecimentos entre si (Becker Jr., 2000; p. 116).
Se isso se concretizar, é possível que essa atitude não corra o risco de se constituir em mais uma iniciativa isolada como inúmeros endereços virtuais que trazem informações sobre Psicologia do Esporte e que foram em sua maioria, iniciativas individuais de profissionais que decidiram compartilhar suas experiências e conhecimento numa época em que não existia nenhum site oficial que suprisse as expectativas e dúvidas de pessoas interessadas em Psicologia do Esporte, pelo menos, em termos de Brasil.
Hoje, pode-se afirmar que, além da SOBRAPE, sites oficiais como dos Conselhos Federal e Regional de Psicologia (www.pol.org.br e www.crpsp.org.br , respectivamente) trazem, desde 2001, quando foi aprovado o título de especialista em Psicologia do Esporte, informações sobre cursos, código de ética e formação do psicólogo esportivo. Mas nem sempre foi assim. Ou seja, ao longo desses 48 anos, isso significa, desde de 1957, quando o psicólogo João Carvalhaes começou a desenvolver um trabalho de orientação psicológica com os jogadores do São Paulo Futebol Clube e, mais tarde na Seleção Brasileira de Futebol (Rubio, 2000), os profissionais da área têm se mostrado com ótimas intenções para tornar a Psicologia do Esporte no Brasil, um campo reconhecido com sujeitos, método e intervenção determinados. E, seria no mínimo, infame, afirmar o contrário.
No entanto, ao que parece, mesmo com todos os esforços, a Psicologia do Esporte tem se desenvolvido apenas dentro de núcleos. Ou seja, é possível identificar grandes avanços dentro da Psicologia do Esporte em São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e alguns outros mais modestos, nas regiões norte e nordeste do país. Mas a interrelação que deveria existir entre esses núcleos é mínima, o que, sem discussão, influencia diretamente os canais de comunicação voltados a germinar novos seguidores. Por conta disso, é reforçado o desejo de não se perpetuar iniciativas isoladas.
Alguns autores da Psicologia do Esporte no Brasil compartilham dessa preocupação e ressaltam suas expectativas em relação à solidificação da área, entre eles Brandão (1995), Machado (1997), De Rose Jr. (2000) e Rubio (2000a). Veja o que eles dizem:
...Uma das funções da Sociedade Brasileira de Psicologia do Esporte deve ser a de discutir e clarificar quem é tecnicamente e legalmente capacitado ou qualificado para aplicar os princípios psicológicos a atividade física e ao esporte, qual a formação profissional mínima requerida para o desempenho profissional, seja ele acadêmico ou aplicado. Esta preocupação se deve ao fato de que a Psicologia do Esporte no Brasil precisa ser reconhecida como ciência e como campo profissional de trabalho. Este reconhecimento é que levará a identificação e delineamento de todos os tipos de contribuição e interfaces da Psicologia do Esporte (Brandão, 1995; p. 142).
Pela sua pequena história acredita-se que a Psicologia do Esporte está principiando um caminho promissor, no aguardo do reconhecimento que merece, tendo em vista a dialética trajetória assumida, de questionamentos geradores de respostas que precipitam novas questões...Os esforços e a seriedade a que se prende quem assume a área serão responsáveis pela sua divulgação e crescimento, independendo da formação inicial do pesquisador e da área de atuação a que se atem, transitando livremente pelo esporte escolar, passando pelas atividades livres e esporádicas da recreação e do lazer, até atingir o esporte competitivo, de resultados olímpicos (Machado, 1997; p.18).
Discutir, participar de fóruns de debates, unir-se a grupos de estudos, elaborar projetos de pesquisa, publicar (trabalhos, artigos e livros), unir esforços e colocar à disposição de todas as experiências adquiridas no decorrer do tempo talvez sejam as melhores estratégias para a consolidação de uma área tão importante e rica, como a Psicologia, no contexto esportivo (De Rose Jr., 2000; p. 35).
...Só poderemos falar de uma Psicologia do Esporte brasileira quando sua diversidade tiver sido compartilhada e
discutida nas diversas regiões do país, assentada no conhecimento e na realidade produzido por nós (Rubio, 2000a; p. 128).

O posicionamento desses autores deixa evidente algumas necessidades emergentes da Psicologia do Esporte que merecem ser discutidas e aprofundadas. Mas antes de fazê-lo, acredita-se ser importante resgatar um pouco da história da Psicologia do Esporte no Brasil baseando-se, principalmente, nos eventos ocorridos ao longo desses anos e que, de uma forma ou de outra, contribuíram para a sua divulgação.
Vale ressaltar que o critério aqui escolhido parte da constatação de que a Psicologia do Esporte brasileira não dispõe, como em outros países, de uma cronologia de acontecimentos regulares, que pudessem contemplar uma divisão histórica em períodos como a realizada por Araújo (2002) para a compreensão dos fatos que influenciaram a Psicologia do Esporte em Portugal. O autor, também na busca de compreender a sua realidade, baseando-se em outros dois autores Cruz-Féliu (1991) e Brito (1996), propôs 6 períodos de divisão para a história da Psicologia do Esporte: Raízes da Psicologia do desporto (até 1919); Antecedentes preparatórios da Psicologia do desporto (1920-1945); Emergência da Psicologia do desporto (1946-1964); Autonomia da Psicologia do desporto (1965-1981); Especificação da Psicologia do desporto (1982-1992) e Integração da Psicologia do desporto (1993 até hoje 2002). No caso do Brasil, no entanto, este tipo de divisão seria quase impossível, uma vez que, como já dito anteriormente, o primeiro fato reconhecido, que comprova os primeiros sinais de uma intervenção psicológica voltada ao esporte, ocorreu só em 1954.
Sendo assim, ao relatar a história da Psicologia do Esporte brasileira, preferiu-se não optar por nenhuma divisão específica, discorrendo e discutindo, apenas, seus principais fatos históricos até os dias de hoje. Para isso foram usadas as seguintes fontes de consulta: Brandão (1995); Machado (1997); Rubio (2000; 2000a); Abdo (2000a); Becker Jr. (2000a; 2000); Epiphanio (2001); Rodrigues (2003); Barreto (2003) e Franco (2004).
Neste sentido, é possível afirmar que, de acordo com os autores, o primeiro grande acontecimento que inaugurou uma nova prática na história da Psicologia no Brasil, foi o trabalho realizado pelo psicólogo João Carvalhaes, na década de 50 [1950]. Vale ressaltar aqui, que sua importância não se deu apenas pelo fato de ser uma intervenção inédita, mas principalmente por que a Psicologia, até então, ainda não tinha sido reconhecida legalmente como profissão no país (ver p. 61).
Segundo Epiphanio (2001) e Becker Jr. (2000), João Carvalhaes começou, em 1954, a desenvolver um trabalho com árbitros de futebol, no Departamento de Árbitros da Federação Paulista de Futebol. Posteriormente, Carvalhaes trabalhou com os jogadores do São Paulo Futebol Clube, onde permaneceu por 17 anos, além de acompanhar a Seleção Brasileira de Futebol rumo à Copa de 1958. Naquela época, o Brasil foi o único país a ter um psicólogo como integrante de sua delegação, mas este fato, ao contrário do que se esperava, trouxe diversas críticas pelo fato de Carvalhaes ter, em suas avaliações psicológicas, considerado jogadores como Pelé e Garrincha, inaptos para comporem a equipe do Brasil (Epiphanio, 2001; p. 11). Em outras palavras, considerar jogadores de talento reconhecidos como inaptos a fazer parte da Seleção Brasileira era inexplicável, principalmente porque tanto Pelé quanto Garrincha foram os responsáveis por diversos gols que levaram o Brasil a ser campeão.
De qualquer forma, independente desse acontecimento, o psicólogo do São Paulo Futebol Clube participou de vários eventos científicos, incluindo o VI Congresso Interamericano de Psicologia, em 1959, no Rio de Janeiro com o trabalho Experimentações Psicológicas no Esporte e o II Congresso Mundial de Psicologia do Esporte ocorrido em Washington em 1969, com a apresentação do trabalho Correlação entre o estado psicológico e o rendimento do atleta de futebol (Abdo, 2000a; p. 15). Em 1974, publicou o livro Psicologia no Futebol onde descreveu o trabalho realizado nesta modalidade e suas demais particularidades (Rubio, 2000a).
O segundo psicólogo a desenvolver um trabalho com a Seleção Brasileira de Futebol foi Athayde Ribeiro da Silva, na Copa de 1962 que ocorreu no Chile. Segundo Barreto (2003), Da Silva chegou até a formalizar a criação de uma Sociedade Brasileira de Psicologia do Esporte, no Rio de Janeiro, mas nunca chegou a regularizá-la (p. 47). No entanto, suas contribuições ao longo dos anos foram bastante importantes. Entre elas é possível citar a publicação do primeiro livro de Psicologia do Esporte, Futebol e Psicologia, escrito em parceria com outro psicólogo Emílio Mira, em 1964; sua participação, em 1965, do I Congresso Mundial de Psicologia do Esporte, em Roma, com o trabalho Observações sobre Psicologia aplicada ao Futebol [também neste Congresso, foi criada a Sociedade Internacional de Psicologia do Esporte (ISSP- International Society of Sport Psychology)], sociedade esta que, até hoje, cumpre a missão de facilitar o intercâmbio entre profissionais e estabelecer um intervalo de quatro anos entre um congresso mundial e outro (Rodrigues, 2003; p. 19); também em 1965, publicou seu segundo livro Psicologia esportiva e a preparação do atleta, no qual buscava ampliar a aplicação da Psicologia a outras modalidades que não apenas o futebol.
Já sob um enfoque mundial, se fosse feita uma comparação, neste período (entre 1945 e 1964), enquanto o Brasil vivenciava suas primeiras experiências com profissionais da Psicologia no Esporte, vários acontecimentos ocorridos tanto na Europa como nos Estados Unidos demonstravam que a Psicologia do Esporte se tornava um campo importante de pesquisa, teorias e métodos específicos voltados ao esporte. Veja quadro a seguir, de acordo com Araújo (2002; p. 18):
Acontecimentos que possibilitaram a emergência da Psicologia do Esporte
psicoesporte2
Segundo o próprio Araújo (2002), todos esses acontecimentos acima relatados ocorreram em decorrência do término da II Guerra Mundial que, apesar de ter interrompido o movimento desportivo, aperfeiçoou as técnicas de treino possibilitando o surgimento, no início dos anos 50, de um grande número de laboratórios nas universidades com o objetivo de pesquisar a Psicologia do Esporte. Ainda afirma o autor: nos anos 70, nos EUA, ao mesmo tempo em que diminuía o interesse pela aprendizagem motora por parte dos psicólogos, aumentava o número de profissionais de educação física interessados pelo tema, nomeadamente por stress, rendimento desportivo e sobre as funções do treinador (p.17).
De volta ao Brasil, afirmam Brandão (1995), Abdo (2000a) e Rúbio (2000a) que a década de 70[1970] foi um período em que a Psicologia do Esporte foi ampliada através da participação de diversos psicólogos em modalidades esportivas, dando destaque para o futebol, até pelo fato que, talvez, além de algumas referências já publicadas sobre o assunto (Carvalhaes e Da Silva), o futebol foi e continuará sendo o cartão de visitas do Brasil, dentro e fora do país, dadas as influências culturais e principalmente os excelentes jogadores, que hoje são vendidos por preços exorbitantes para clubes estrangeiros.
Em 1971, o psicólogo João Serapião realizou um trabalho de acompanhamento psicológico junto ao Guarani Futebol Clube, em Campinas-SP. Em 1973, o médico psiquiatra e psicanalista Dr. Paulo Gaudêncio trabalhou com Sport Club Corinthians que, logo após em 1982, contratou outro médico psiquiatra para exercer o trabalho de orientação psicológica, o Dr. Flávio Gikovate.
Porém, é a partir de 1976 que a Psicologia do Esporte alcança outras modalidades esportivas, que não só o futebol. Segundo Abdo (2000a) e Rubio (2000a), o responsável por tal iniciativa foi o psicólogo Mauro Lopes de Almeida que passou a desenvolver, junto ao Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa, em São Paulo, um trabalho de acompanhamento psicológico. Neste ano também, começou a ser desenvolvido no CELAFISCS, o setor de Psicologia aplicado ao esporte, coordenado pela psicóloga Sandra Cavasini. Esta última, citada por Becker Jr. (2000) como sendo uma das psicólogas que compôs o trio de psicólogos da segunda geração no Brasil (1975). Os outros dois psicólogos citados pelo autor são João Alberto Barreto, no Rio de Janeiro e o próprio autor, no Rio Grande do Sul (p. 27-28). Ainda de acordo com Becker Jr. (2000), a partir de 1975, quase todo o evento científico de Educação Física, Esporte ou Medicina do Esporte, passou a ter a participação da Psicologia do Exercício e do Esporte nas suas sessões (p. 28).
Por conta disso talvez, e pelo aumento de profissionais envolvidos com Psicologia do Esporte no país, em 1979 foi fundada a SOBRAPE, como já mencionado, anteriormente, cujo presidente-fundador foi o psicólogo Benno Becker Jr., permanecendo neste cargo até 2002. O atual presidente desta Sociedade é o Prof. Dr. Dietmar Samulski. O primeiro evento realizado pela SOBRAPE foi o I Congresso Brasileiro de Psicologia do Esporte, ocorrido em 1981, em Porto Alegre-RS, com a participação de 1700 profissionais de toda a América Latina (Becker Jr, 2000).
De acordo com Becker Jr. apud Becker Jr. (2000), esse evento foi marco fundamental para o desenvolvimento da Psicologia do Exercício e Esporte na América Latina, pois os contatos entre profissionais das Ciências do Esporte de inúmeros países foram a base para o planejamento de futuras realizações. Começaram, então, a serem criadas as sociedades estaduais brasileiras bem como as de vários países da América Latina (p. 28). Porém, por problemas internos e estruturais aponta Rubio (2000a), a maioria delas não conseguiu se manter atuante, levando muitos psicólogos e profissionais de educação física a um desconhecimento de sua existência ou efetividade (p. 24).
Portanto, de acordo com os dados levantados até o momento, é fato que a Psicologia do Esporte no Brasil está, por assim dizer, ensaiando seus primeiros passos, ainda que num movimento incerto, mas ao mesmo tempo, promissor, no que diz respeito ao empenho dos profissionais. É fato, também, que se no Brasil (década de 60 [1960]) começava-se a falar e discutir essa “tal” Psicologia do Esporte, na Europa, URSS e EUA, os acontecimentos que ocorreram entre 1965 e 1975, segundo Araújo (2000) só cooperaram para possibilitar a autonomia da Psicologia do Esporte. Entre os fatos descritos pelo autor, destacam-se: a criação da Sociedade Internacional de Psicologia do Esporte (1965); publicação de artigos relacionados à intervenção psicológica realizada com atletas (1966-1967); publicação do primeiro teste específico voltado para o contexto esportivo medindo variáveis como agressividade, treinamento e confiança nas próprias capacidades (1969); publicação do International Journal of Sport Psychology (primeira revista específica de Psicologia do Esporte-1970) e a publicação do livro Sport et Personalité, desenvolvendo especificamente o tema da personalidade no esporte (1975).
Diante dessas informações, fica difícil não perceber a diferença de desenvolvimento e crescimento da Psicologia do Esporte fora do Brasil. Como exemplo, é só constatar que do I Congresso Mundial de Psicologia do Esporte realizado em 1965 (Roma) e o I Congresso Brasileiro de Psicologia do Esporte realizado em 1981 (Rio Grande do Sul), são 16 anos. Um outro fato relevante que chama a atenção, diz respeito à publicação de um veículo específico sobre Psicologia do Esporte. O Journal of Sport Psychology passou a ser publicado em 1970. No Brasil, até este ano, 2006, ou seja, 36 anos depois, não existe, como já descrito anteriormente, nenhuma revista específica sobre o assunto. Claro que isso não significa que os pesquisadores e profissionais inseridos neste campo, não estejam publicando seus trabalhos em outros veículos de comunicação. Ao contrário, tanto isso acontece que, num levantamento feito pela SOBRAPE em 1978, foi possível não só identificar os artigos publicados, mas também a profissão dos escritores (Machado, 1997).
E qual não foi a surpresa ao constatar que dos artigos levantados, apenas 19% pertenciam a psicólogos. 2,1% eram de autoria de médicos e a maioria, 53,6% era de educadores físicos. Este também se tornou ao longo do tempo, mais um ponto de discussão dentro da Psicologia do Esporte brasileira: a formação do psicólogo esportivo. Tema que será abordado com maior profundidade no próximo capítulo.
Dando continuidade à história, o período de 1982 a 1987, não foi de grandes acontecimentos para a Psicologia do Esporte no Brasil. Nele destaca-se: a implementação de um Centro de Preparação Psicológica, no Esporte Clube Pinheiros-SP, sob a coordenação inicial do psicólogo William U. de Lima e, posteriormente, da psicóloga Eliana Abdo Philippi. Segundo Abdo (2000a), este departamento foi extinto em 1997. Em relação aos eventos, nos anos de 1983, 1985 e 1987 foram realizados os Congressos Brasileiros de Psicologia do Esporte.
Desse período em diante, é unânime para os autores, que a década de 90 [1990] foi, até agora, a década mais promissora para a Psicologia do Esporte no Brasil, não só no que diz respeito a eventos, mas principalmente em relação à criação de cursos de especialização para a formação do psicólogo esportivo, publicação de diversos livros em português sobre os mais variados temas dentro da Psicologia do Esporte, aumento no número de profissionais trabalhando com intervenção junto a atletas, não só do futebol, mas de outras modalidades, criação de laboratórios para pesquisa, inserção da disciplina Psicologia do Esporte em alguns cursos de Psicologia e, num movimento muito particular de alguns membros do Conselho Regional de Psicologia (CRP-SP), a criação de um espaço de discussão, dentro da sede do Conselho, sobre a Psicologia do Esporte enquanto opção profissional e área de atuação.
Em outras palavras, não faltaram iniciativas, boas intenções, discussões e encontros durante esse período de 1990 até os dias atuais, para solidificar a Psicologia do Esporte brasileira. Ao contrário, até a mídia, como relata Franco (2004) tem cumprido seu papel, publicando matérias sobre o tema, encorajando direta ou indiretamente, técnicos e equipes esportivas a buscarem o trabalho de orientação de um psicólogo esportivo (p. 32). Mas, ao que parece, “algo” tem provocado lentidão a esse processo de tornar a Psicologia do Esporte no séc. XXI, não só um campo com métodos e teorias próprios, mas também, um campo promissor para a formação de novos e capacitados profissionais. Muitas publicações, inclusive, trazem propostas de discussão sobre essa questão, mas é inevitável detectar que pouco se consegue para se chegar a uma conclusão ou uma solução mais palpável sobre essa questão. Como resultado, o que se observa são discussões que, mesmo sem a intenção, acabam assumindo a característica de um monólogo, onde autor acaba“travando um diálogo com ele mesmo”.
A história, no entanto, registra um momento durante o final da década de 90 [1990] em que foi possível assistir ao encontro de diversos profissionais e estudantes, de diferentes estados, diferentes profissões, diferentes atuações que deixaram de lado essas diferenças para discutir e compartilhar informações sobre um tema comum a todos: a Psicologia do Esporte. O evento, realizado pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, em São Paulo, capital recebeu o nome de Encontros e Desencontros: Descobrindo a Psicologia do Esporte.
Sob a coordenação da Profa. Dra. Kátia Rubio, durante três dias, aproximadamente, 400 pessoas ouviram e debateram temas pertinentes à área (Rubio, 2000a). Segundo Rubio (2000a), esse evento pode ser considerado um marco histórico, na medida que conseguiu reunir pessoas que atuam em Psicologia do Esporte há várias décadas, em espaços importantes e privilegiados, em vários estados do país, e que em seus clubes e instituições acadêmicas, estão pesquisando, ensinando ou intervindo, enfim, fazendo a Psicologia do Esporte no Brasil (p. 9). E ainda acrescentou:
a unanimidade não era a intenção do evento. Pelo contrário, o objetivo maior era apresentar aos neófitos e aos iniciados a pluralidade de formação e ação que caracterizam nossa prática. Dos campos de atuação às linhas teóricas, o que se observa hoje, na Psicologia do Esporte, é um apelo à alteridade, no sentido do respeito às diferentes formas de se fazer uma prática que ainda carece de tradição (p. 10).

Sem dúvida, o evento cumpriu o seu papel. Houve troca de informações, apresentação de trabalhos, relatos de experiências, mesas redondas e até novas publicações brasileiras sobre Psicologia do Esporte. Entre elas, Psicologia do Esporte- interfaces, pesquisa e intervenção (Rubio e cols, 2000), Manual de Psicologia do Esporte e Exercício (Becker Jr., 2000), Psicologia no Esporte e na Atividade Física (Franco, 2000) que contaram com a presença dos respectivos autores para autografar ou conversar sobre os livros.
Com o passar do tempo, outros eventos ocorreram, promovidos por diferentes profissionais, através de instituições de ensino ou da própria SOBRAPE. Mas nenhum deles conseguiu repetir, novamente, a façanha do simpósio realizado em 2000.
Abdo (2000a), durante a década de 90 [1990], mais precisamente, neste evento realizado pelo CRP-SP, procurou alertar os profissionais da área sobre o crescimento isolado dos trabalhos que estavam sendo realizados em Psicologia do Esporte no Brasil.
Além disso, também já era possível perceber, segundo a autora, que a maior dificuldade que existia para a Psicologia do Esporte no Brasil, era a falta de união das duas principais profissões envolvidas neste campo, a Educação Física e a própria Psicologia (p. 17). E, ao que parece, essa “disputa” de espaço permanece até os dias de hoje. Abdo (2000a) ainda, utilizando-se de uma citação de Butt (1997) para confirmar sua hipótese acrescenta: existem alguns conflitos no campo da Psicologia do Esporte no sentido de quem deve praticá-la e que formação é necessária para tal. A questão é como identificar quem é capaz de ajudar os atletas a desenvolver e aumentar seu desempenho de uma maneira construtiva (...) se o atleta está sofrendo realmente ou está em decadência, o psicólogo tem a responsabilidade e a formação para dar-lhe assessoramento apropriado e colocar o seu bem estar em primeiro lugar. Existem muitas pessoas trabalhando em aconselhamento esportivo que não são psicólogos e que não põem o bem estar do paciente em primeiro lugar. A sua primeira responsabilidade é para o esporte ou aprimoramento do desempenho...(Butt apud Abdo, 2000a; p. 17).
Franco (2004), ou seja, quatro anos depois de Abdo (2000a), também aborda em sua obra essa questão do fazer profissional do psicólogo esportivo, que segundo ela, está intimamente ligado à formação deste profissional. Para a autora, que se baseia em Feliu (1997), a Psicologia do Esporte só ganhará consistência e credibilidade quando a formação do psicólogo esportivo conter conteúdos relacionados não só à Psicologia, mas também às Ciências do Esporte e do esporte em si, isto é, uma formação teórica e prática (Feliu apud Franco, 2004; p. 47). Do contrário, baseando-se apenas numa formação voltada à Psicologia, o psicólogo esportivo correrá o risco de continuar recebendo críticas como aquelas relatadas por De Rose (2000) em que o mesmo aponta, como as duas outras autoras, problemas na formação do psicólogo no Brasil e, conseqüentemente, falta de conhecimento não só do atleta, mas do cenário esportivo, o que implicaria diretamente na sua rejeição ou por parte do técnico ou por parte do atleta e/ou equipe esportiva.
Afirma De Rose (2000):
As faculdades de Psicologia parecem não conhecer a importância do esporte como campo profissional para seus egressos e não proporcionam a seus alunos a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre o assunto. Sequer são oferecidas disciplinas optativas e o que se encontra são raros cursos de especialização, que formam pequenos grupos de psicólogos interessados e atentos ao movimento desse mercado de trabalho promissor. Não possuindo essa complementação em sua formação, o psicólogo não acostumado ao esporte, encontra uma grande resistência por parte dos técnicos e atletas, por não falar e não entender a linguagem cotidiana das quadras, dos campos, das pistas e das piscinas. O atleta não pode e não deve ser tratado como um paciente de consultório (p. 34).

Ou seja, de uma forma ou de outra, todos os autores, independente da sua formação inicial, atestam para a importância da formação do psicólogo esportivo e, principalmente, para a urgência de se criar ou desenvolver formas de se suprir essa carência de saberes e prática no campo da Psicologia do Esporte. Isso até seria possível se realmente houvesse, por parte dos envolvidos, sejam estes profissionais, instituições de ensino, conselhos e sociedades não só iniciativas, mas a concretização de projetos que tornassem esse fato realidade.
Sabe-se que, em 1994, segundo Abdo (2000a) foi encaminhada ao CRP, durante o Congresso Regional de Psicologia, a proposta de inclusão da disciplina Psicologia do Esporte nas grades curriculares das Faculdades de Psicologia. Mas até hoje, 11 anos após esse encaminhamento, é possível “contar nos dedos” as instituições de ensino que mantêm a disciplina como parte do seu currículo, seja na condição de disciplina obrigatória ou optativa. Uma outra questão a ser levantada, diz respeito aos estágios. Na maioria dos campos onde a Psicologia atua como clínica, escola, hospital, creches, o aluno possui prática de estágio supervisionado, onde ele pode colocar em prática o que aprendeu e receber supervisão adequada para o aprimoramento do seu saber fazer. No caso da Psicologia do Esporte se não todas, quase nenhuma instituição oferece oportunidade de estágio supervisionado o que dificulta mais ainda a formação e conseqüentemente, como apontou De Rose (2000), sua aceitação junto ao atleta ou comissão técnica.
Para completar, é possível, também, que um outro fator que tenha contribuído, mais ainda, para acentuar as dificuldades até aqui descritas, tenha sido a regulamentação do título de especialista concedida pelos Conselhos Federal e Regional de Psicologia, a partir de 2001, apenas para profissionais formados em Psicologia. Este fato pode ter despertado o descontentamento de profissionais da área da Educação Física, já que os mesmos, acreditando, pela própria formação, serem, talvez, os profissionais mais aptos a trabalhar com os atletas, não possam adquirir o título de psicólogo esportivo, realidade essa comum em outros países e que será, posteriormente, discutida no próximo capítulo com mais detalhes.
Por conta disso, muitos profissionais da área da Educação Física que, desde o início contribuíam para o crescimento do campo, assumiram uma postura de defesa contra os psicólogos, colocando em discussão se realmente os mesmos dispunham de conhecimento suficiente para atuar na área, uma vez que não pertenciam a uma área ligada diretamente ao Esporte. Essa discussão tornou-se tão emergente que, durante o XI Congresso Brasileiro e IV Congresso Internacional de Psicologia do Esporte, realizado em 2004, em Curitiba-PR, houve dois momentos em que este assunto foi abordado: o primeiro momento foi realizado através de um Fórum informal, onde integrantes do Congresso foram convidados a participar da discussão denominada Fórum de discussão sobre a formação do Psicólogo Esportivo no Brasil e o segundo momento, foi a mesa redonda Formação do Psicólogo do Esporte," presidida pelo Prof. Dr. Luiz Carlos Moraes, atual secretário geral da SOBRAPE.
Mas em ambas as situações, não foi possível caminhar muito mais dentro do que se esperava.
Neste sentido, o que se percebe é que, os pontos se unem e forma-se uma interrogação (?) que se resume não mais a uma disputa de lugar ou título, ou seja, quem é ou deveria ser o profissional a exercer o papel do psicólogo esportivo hoje, no Brasil. Do ponto de vista legal, de mercado, não há dúvida de que é o psicólogo. Mas a realidade não nos aponta isso. Os casos mais recentes, publicados na mídia apontam médicos, engenheiros e professores de educação física atuando com questões psicológicas ao realizar acompanhamentos junto a atletas e equipes esportivas. Em contrapartida, como já descrito anteriormente, os cursos de Psicologia, na sua maioria, continua a não possuir a disciplina Psicologia do Esporte, tampouco, estágio supervisionado neste campo, o que, é importante esclarecer, não seria a solução, mas talvez um avanço.
Como conseqüência, fica a cargo dos cursos de especialização em Psicologia do Esporte, a responsabilidade de dar conta de um conhecimento que, necessariamente não teria que se concentrar apenas num curso de nível lato sensu. E, em se tratando da realidade brasileira, isso se complica mais, já que, até o momento, o único curso de especialização direcionado a formar psicólogos esportivos e que cumpre com as exigências feitas pelo Conselho Federal de Psicologia é o curso do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. O restante que existe e de que se tem conhecimento, não cumpre as exigências formais. Ou seja, são reconhecidos pelo MEC e não pelo CFP e Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP), mas não concedem o título de especialista em Psicologia do Esporte.
Portanto, para concluir, o que foi dito até o presente momento, não difere em nada, das expectativas e preocupações dos autores mencionados anteriormente (ver p. 65-66). A única diferença é que o posicionamento desses autores concentrava-se ainda num momento de afirmação da Psicologia do Esporte no Brasil, o que é natural, se, se levar em conta que traçar planos para o futuro, faz parte de pessoas que querem realizar algo. Mas infelizmente, a solidificação da Psicologia do Esporte ainda exige esforços e mais do que qualquer coisa, estruturação.
Sendo assim, acredita-se que, além dos objetivos traçados para este trabalho, um outro objetivo, talvez mais informal que se deseje atingir seja, através de toda essa reflexão sobre o campo da Psicologia do Esporte, revelar o irrevelável, apontar as rachaduras sem desmerecer a construção já existente e oferecer possíveis ferramentas para o conserto.
Neste sentido, levando-se em conta a importância da formação do psicólogo esportivo no cenário brasileiro e a necessidade de se identificar e compreender as rachaduras que têm impedido que os alicerces que sustentam essa formação se solidifiquem, o próximo capítulo intitulado: Psicologia do Esporte: refletindo sobre as competências do psicólogo esportivo no Brasil irá tratar, primeiramente do conceito de competência, numa visão geral e, em seguida, das competências exigidas no fazer profissional do psicólogo do esporte, tendo como fonte de consulta órgãos oficiais nacionais e internacionais que têm, ao longo dos anos, se preocupado em delimitar tanto as competências necessárias, quanto as funções que devem e/ou podem ser exercidas pelo psicólogo esportivo.



Sobre as Competências do Psicólogo Esportivo no Brasil
Em diversos países da Europa e América tem havido uma acentuada preocupação com o significado da palavra competência, principalmente no que diz respeito aos saberes e ao saber-fazer que devem ou deveriam caracterizá-la dentro de qualquer profissão.
Alguns autores como Desaulniers (1998); Manfredi (1988); Schwartz (1998); Stroobants (1998); Meghnagi (1998); Ropé e Taguy (2002) e Vosgerau e Eleuterio (2005) têm buscado, com muita propriedade, discutir a dimensão do significado das palavras competência, saberes e qualificação, já que, sem um prévio conhecimento, muitas pessoas podem chegar até a utilizá-las como sinônimo, como afirma Manfredi (1988): o uso desses conceitos polissêmicos, na grande maioria, são empregados como equivalentes e sinônimos mas, na verdade, ao se consultar a literatura, os mesmos conceitos aparecem como conceitos novos, atuais e não como reatualizações (p. 14).
Procurando manter este cuidado, sem se afastar do objetivo principal deste capítulo, que consiste em refletir sobre as competências necessárias ao exercício profissional do psicólogo esportivo no Brasil, optou-se por esclarecer, inicialmente, o significado do termo competência para que, ao final, seja possível identificar, de acordo com os órgãos oficiais, nacionais e internacionais, responsáveis pelo fazer profissional do psicólogo esportivo, as competências necessárias para exercer sua profissão. Para tal, foram usados como referência para discutir o tema, os seguintes autores: Manfredi (1998); Meghnagi (1998); Shwartz (1998) e Vosgerau e Eleuterio (2005).
Sendo assim, ao se reportar à questão sobre as diferenças entre os termos competência, qualificação, saberes e habilidades, Manfredi (1998) afirma que essas expressões têm ocupado lugar de destaque nos discursos e documentos dos diferentes agentes e instituições sociais.

Segundo a autora, as transformações em curso na sociedade brasileira, decorrentes das mudanças técnico-organizacionais no mundo do trabalho, estão fazendo ressurgir, com muita ênfase, acalorados debates relativos a temas e problemas que nos remetem às relações entre trabalho, qualificação e educação (especialmente a formação
profissional). Estudos nacionais e internacionais envolvendo tais questões têm envolvido pesquisadores de vários campos das ciências. As discussões têm navegado pelos mais diferentes campos das ciências sociais- economia, sociologia, história, antropologiapassando também a se constituir em objeto de preocupação de educadores, lingüistas, psicólogos, engenheiros de produção, médicos psiquiatras etc; enfim, todos aqueles que se preocupam com as questões relativas ao trabalho humano e as suas metamorfoses (1998; p. 14).
O interessante, porém, é que o que se tem encontrado na literatura, não são simples reatualizações do termo, mas sim conceitos novos e atuais que, de acordo com Manfredi (1998) merecem ser abordados dentro de uma perspectiva histórico-crítica constituindo não apenas um mero exercício intelectual, como poderiam interpretar alguns, mas uma tentativa de demarcar as diferenças existentes nas diversas abordagens, seja no âmbito teórico ou político (p. 14). Ou seja, ao basear-se na crença de que tais conceitos expressam sentidos e intenções diferentes (p. 14), Manfredi (1998) realizou uma pesquisa junto aos trabalhos mais significativos existentes sobre o tema, na intenção de investigar a construção social dos significados que têm sido atribuídos às noções de qualificação e competência no campo da Economia da educação, Economia política, Sociologia do trabalho, Psicologia e Avaliação educacional.
O resultado encontrado entre outros, foi o de que as expressões qualificação e competência parecem ter matrizes distintas. A noção de qualificação está associada ao repertório teórico das ciências sociais, ao passo que o de competência está historicamente ancorado nos conceitos de capacidades e habilidades, constructos herdados das ciências humanas- da Psicologia, Educação e Lingüística (Manfredi, 1998; p. 15).
No entanto, com o passar dos anos, a ressignificação do conceito de qualificação e sua substituição pelo conceito de competência foram inevitáveis. O processo de reorganização da economia mundial e as transformações técnico-organizacionais afetaram não só as condições, os meios e as relações de trabalho, como também, provocaram a construção de novas formas de representação das noções de trabalho, qualificação, competência e formação profissional (Manfredi, 1998; p.25).
Progressivamente, segundo Schwartz (1998), também os chefes de projetos e de empresa substituíram o termo qualificação pelo de competência para pensar o problema dos ajustes das pessoas às tarefas ou aos objetivos, bem como a busca de procedimentos ou modelos de avaliação dessas competências (p. 101). Como conseqüência, os trabalhadores passaram a responder a um novo perfil de qualificação de trabalho, capaz de satisfazer as seguintes exigências: posse de escolaridade básica, de capacidade de adaptação a novas situações, de compreensão global de um conjunto de tarefas e das funções conexas o que demanda capacidade de abstração e de seleção, trato e interpretação de informações. Além disso, como os equipamentos são frágeis e caros e como se advoga a chamada administração participativa, são requeridas também atenção e a responsabilidade (Manfredi, 1998; p. 25).
Em se tratando, especificamente, do Brasil (década de 70 [1970]), Manfredi (1998) relata que a noção de competência passa a ser incorporada nos discursos dos empresários, dos técnicos dos órgãos públicos que lidam com o trabalho e por alguns cientistas sociais, como se fosse uma decorrência natural e imanente ao processo de transformação na base material do trabalho. Segundo a autora, no discurso dos empresários há uma tendência de
definir competência muito mais como uma capacidade de agir, intervir, decidir em situações nem sempre previstas ou previsíveis do que um estoque de conhecimentos e habilidades (p. 27).
Já nos dias atuais, a partir dessa visão relatada por Manfredi (1998) pode haver limitações se levar em conta autores como Meghnagi (1998) e Vosgerau e Eleuterio (2005).
Para ambos, a noção de competência envolve muito mais do que apenas uma capacidade para agir ou resolver problemas, envolve sim, uma inter-relação entre fatores que compreendem desde a aquisição de escolaridade quanto os processos de aprendizagem informais que ocorrem em momentos e espaços distintos, as orientações de valorativas que dão suporte aos fatos inovativos, o pertencimento a uma comunidade profissional e a apropriação de um saber teórico ou gerado a partir de uma prática (Meghnagi, 1998; p.51).

Vosgerau e Eleuterio (2005) também se posicionam ao definir, separadamente, os termos competência, capacidade, saberes e habilidades, e reconhecem suas diferenças e possíveis inter-relações. Para estes autores, o termo competência constitui um saber-agir complexo, resultante da integração, da mobilização e do agenciamento de um conjunto de capacidades e de habilidades e de conhecimentos utilizados de forma eficaz, em situações similares (Lasnier apud Vosgerau e Eleutério, 2005; p. 7). Ou seja, tanto as capacidades como as habilidades e saberes são elementos que, uma vez determinados, seja em que contexto for, podem mobilizar as competências necessárias para uma atuação profissional ou acadêmica.
Em outras palavras, como ressalta Meghnagi (1998), ainda que cada profissão possa ser exercitada em níveis mais ou menos elevados de capacidades e habilidades, com a finalidade de produzir bens materiais ou imateriais, a competência se configura como sendo a explicitação de repertórios cognitivos de natureza variada, que envolvem ações e decisões das quais resulta a qualidade do desempenho. Hoje, tudo isso vale para a quase totalidade das profissões, do trabalho autônomo ao assalariado, para operários, quadros administrativos e dirigentes (p. 51).
Portanto, até este momento, pode-se afirmar que o termo competência relacionado ao fazer profissional, na visão desses autores, deve estar embasado numa perspectiva de formação ou de trabalho, ou seja, na aquisição e produção de conhecimento constante, referendado em teorias de aprendizagem bem como, numa perspectiva de contextos, espaços e tempos sócio-culturais do indivíduo.
Uma vez tendo claro o significado da palavra competência, é possível se concentrar no objetivo principal desse capítulo, que é o de propor uma reflexão sobre as competências que envolvem o exercício profissional do psicólogo esportivo.
Sabe-se que as discussões em torno das competências que envolvem o fazer profissional do psicólogo esportivo no cenário brasileiro não são recentes. O que, talvez seja recente, é a direção que esta discussão tem tomado após o reconhecimento legal da Psicologia do Esporte como especialidade da Psicologia (Resolução Nº 002/2001), ou seja, do ponto de vista das resoluções instituídas pelos Conselhos Federal e Regional de Psicologia, por lei, é de direito do psicólogo exercer a função de psicólogo esportivo junto ao mercado de trabalho.

No entanto, são claras as divergências a respeito desse assunto e, a maioria delas, acaba se detendo, principalmente, ao fazer profissional do psicólogo esportivo. Em outras palavras, a dúvida que permeia é: o que é de direito do psicólogo esportivo e o que é de direito também, de outros profissionais de outras áreas? E por quê? E mais, o que na verdade garante essa “diferença” que se denomina no fazer do psicólogo esportivo que qualquer outro profissional não estaria apto a realizar, a menos que fizesse uma graduação em Psicologia?
Para dar conta de responder a estes questionamentos, recorreu-se às Associações e Sociedades (nacionais e internacionais), como também aos Conselhos Federal e Regional, órgãos oficiais responsáveis pela sistematização do fazer profissional do psicólogo esportivo, para identificar elementos que pudessem responder por que é o psicólogo e não o professor de educação física, o engenheiro, o médico, etc que deve exercer o papel de psicólogo esportivo. A escolha por estes órgãos foi feita pelo fato de que não é possível discutir competência sem antes, se remeter àqueles que, oficialmente, têm a função de sistematizar o fazer profissional, neste caso, do psicólogo esportivo, e cuidar para que o mesmo esteja atendendo às exigências necessárias e legais dentro da sua atividade profissional.
Sendo assim, para melhor visualização e identificação das competências estabelecidas por cada um dos órgãos consultados, as mesmas foram dispostas na forma de quadros, separadamente. Optou-se por relacionar, inicialmente, as Sociedades e Associações internacionais como a ISSP; a Associação Americana de Psicologia e o Comitê de Reconhecimento de Especialidades e Proficiências do psicólogo (APA/CRSPP); a Associação para o Avanço da Psicologia do Esporte Aplicada (AAASP), por existirem há mais tempo quando comparadas ao Brasil em termos de sistematização do fazer profissional do psicólogo esportivo e, em seguida, o CFP e CRP e a SOBRAPE.
Antes, porém, de discutir as competências estabelecidas pela ISSP, é necessário salientar alguns pontos importantes da história e do posicionamento dessa sociedade perante a construção e solidificação da Psicologia do Esporte no mundo, para se compreender em que momento e por que se deu a atual sistematização do fazer profissional do psicólogo esportivo.

A ISSP foi criada em 1965, durante o I Congresso de Psicologia do Esporte, realizado em Roma, por Ferruccio Antonelli. Antonelli, médico psiquiatra, tornou-se o primeiro presidente da ISSP, permanecendo no cargo por oito anos.
Ao longo desses 40 anos que se sucederam desde sua criação, a ISSP, hoje, é considerada uma organização sólida, voltada a promover a disciplina Psicologia do Esporte, pesquisa e desenvolvimento através do mundo. Além disso, é vista também, como uma associação de escolas multidisciplinares cujo interesse está focado na pesquisa sobre aspectos da Psicologia do Esporte. A ISSP existe, entre outras coisas, para encorajar e promover o estudo do comportamento dos indivíduos e grupos associados ao esporte e atividade física; facilitar o compartilhar dos profissionais através de boletim de notícias, encontros e congressos realizados num intervalo de quatro em quatro anos.
Para dar conta dessas funções, a ISSP sempre esteve atenta à evolução que a Psicologia do Esporte sofreu ao redor do mundo. Nos últimos 30 anos, foi possível presenciar o reconhecimento de vários países em suas implicações política, econômica e social na área do esporte e do exercício numa época em que a globalização permitiu que o esporte crescesse propiciando às nações obter melhores caminhos para sua realização. Ao mesmo tempo, os indivíduos envolvidos com o esporte e as próprias escolas responsáveis pelo treinamento de educadores físicos, ciências do esporte ou psicologia contribuíram para o desenvolvimento do estudo da atividade esportiva através de uma perspectiva psicológica.
De acordo com um documento intitulado Treinamento e Seleção de Psicólogos Esportivos: uma revisão internacional, a interação estabelecida entre aqueles que praticam esporte ou necessitam de atividade física, bem como os estudiosos interessados na área, resultou ou tem resultado, no desenvolvimento da profissão que se denomina, hoje, Psicologia do Esporte e do Exercício.
Em decorrência disso, e por acreditar que é de responsabilidade da ISSP examinar o crescimento e desenvolvimento da Psicologia do Esporte e do Exercício ao redor do mundo, bem como a maneira como os psicólogos esportivos estão sendo treinados e selecionados para trabalhar nos mais diversos cenários que necessitam dos seus serviços, o Conselho Diretor da ISSP produziu o documento acima citado na intenção de informar as descobertas a respeito de como têm se dado o treinamento e seleção deste profissional numa perspectiva mundial.
A partir de uma pesquisa realizada junto às publicações de livros, jornais e conferências, estatutos e outros documentos oficiais de organizações de Psicologia do Esporte, nacionais e internacionais, foram coletadas informações sobre o tema: treinamento e seleção de psicólogos esportivos. Coube aos membros do grupo de revisão, além de procurar informações em outras fontes, a tarefa de confrontá-las com aquelas já encontradas.
O mesmo Conselho Diretor, formado por quatro membros, foi o responsável por analisar os dados obtidos, tendo como referência as seguintes regiões: África (Nigéria, Kênia, Zimbábue, Moçambique, Marrocos, Egito, Botswana e Sul da África); Ásia e Pacífico Sul (Japão, Coréia e Austrália); Europa (Alemanha, França, Espanha, Portugal, Itália, Dinamarca, Finlândia, Noruega, Suécia; Rússia Lituânia, Estônia, Romênia, Bulgária, Slovênia, Polônia, República Checa, Reino Unido); América do Norte (Canadá e Estados Unidos) e América do Sul. Não há registros de investigação realizados em países da América Latina.

As conclusões a que os diretores chegaram foram as seguintes:

·          Há uma grande variação entre os diferentes países a respeito da duração de tempo na educação, treinamento e no processo de seleção em Psicologia do Esporte. Isso, segundo os autores se deve aos fatores de ordem cultural, social, política e econômica que influenciam a maneira na qual a Psicologia do Esporte é e tem se desenvolvido como profissão;
·          Há uma dificuldade no desenvolvimento da Psicologia do Esporte em qualquer nação que não possua um compromisso político e econômico com o esporte internacional. Ou seja, embora a Psicologia do Esporte tenha sido, durante muitos anos, uma matéria dos programas de Educação Física, é somente através dos países que procuram o sucesso do esporte internacional em larga escala, que os psicólogos esportivos são convidados a oferecer serviços de suporte que se constata um envolvimento significativo pessoal e do ponto de vista de tempo de duração;
·          Há poucos exemplos de organizações nacionais de Psicologia do Esporte que seguem o sistema de exigências da profissão, mas as mesmas têm aprendido a oferecer uma data para profissionalização do psicólogo esportivo em países em que o tempo de formação é considerado;
·          A educação em Psicologia do Esporte tem sido, predominantemente, desenvolvida nos departamentos de Educação Física das universidades. Mas com freqüência, a Psicologia do Esporte é a única disciplina inserida em programas mais abrangentes, embora alguns países tenham sido capazes de desenvolver um programa específico de Psicologia do Esporte em nível de pós-graduação;
·          Ignorar ou evitar a Psicologia do Esporte é um fato ainda muito comum nos departamentos de Psicologia das universidades e nas associações nacionais de profissionais em Psicologia. Apenas num número, relativamente, pequeno de países, a Psicologia do Esporte tem sido encontrada como disciplina dentro dos programas e/ou reconhecida dentro das associações de profissionais;
·          É raro encontrar dentro da Psicologia, estatuto que licencie os psicólogos como psicólogos esportivos, apesar de existirem muitos países que possuem o estatuto da regulamentação da profissão;
·          O certificado em Psicologia do Esporte para qualquer profissional de outra área que não seja da Psicologia é dirigido a um número pequeno de países ao redor do mundo. A maior parte dos programas que oferece o certificado de Psicólogo do Esporte foi estabelecida por associações profissionais de Psicologia do Esporte que estão apoiadas na Educação Física ou nas Ciências do Esporte ou sozinhas. É o caso da AAASP, nos Estados Unidos, como será visto neste mesmo capítulo, posteriormente.
·          A influência do certificado ou a seleção do psicólogo esportivo para trabalhar com profissionais ou times nacionais depende do relacionamento que a associação nacional de Psicologia do Esporte tem desenvolvido com os membros do governo que organizam o esporte como o Comitê Olímpico Nacional, assim como, as organizações esportivas, como os clubes profissionais. Na maior parte dos países em que existe a possibilidade de obter o certificado, os psicólogos esportivos que não o possuem, acabam apenas exercendo sua função, baseando-se apenas em suas reputações individuais (Morris, Alfermann, Lintunen, e Halt; s/d; p. 23-24).
Baseando-se nesses pontos apresentados pelos autores, parece claro que, mesmo os países da América Latina não tendo sido incluídos na pesquisa da ISSP, é possível identificar semelhanças em relação ao cenário brasileiro a começar pelo desenvolvimento da Psicologia do Esporte que, também no Brasil, surgiu, inicialmente, nos departamentos de Educação Física das universidades e não dentro das faculdades de Psicologia.
Outro ponto em comum, mas voltado não para diferenças entre países, como aponta a pesquisa da ISSP e sim, para diferenças entre regiões, no caso do Brasil, é possível encontrar diversos cursos de formação em Psicologia do Esporte que se diferenciam, não só no que diz respeito ao tempo designado à formação, mas também ao conteúdo programático dos cursos. Em alguns deles predominam mais disciplinas voltadas à Educação Física e às Ciências do Esporte do que à Psicologia (Rodrigues, 2003).
Já em relação à possibilidade de realizar grandes eventos esportivos, pode se afirmar que o Brasil já foi sede de alguns desses eventos como, por exemplo, a Copa do Mundo (1950) e os Jogos Pan-americanos. Mas a realização destes não mobilizou, pelo menos publicamente, convite das organizações ou equipes para atuação de psicólogos esportivos especializados naquela época. Com exceção do psicólogo João Carvalhaes, psicólogo que participou da Copa de 1958, o que se sabe, é que alguns profissionais, entre médicos psiquiatras e engenheiros realizaram trabalhos e palestras junto às equipes de diversas modalidades, mas apenas um pequeno número de psicólogos esportivos pôde realizar um trabalho específico e adequado junto aos atletas.
Um outro fator relevante consiste na ausência da disciplina Psicologia do Esporte nos cursos de Psicologia. Como apontou a pesquisa, também em outros países, o conteúdo da Psicologia do Esporte ainda é mais freqüente na grade curricular dos cursos de Educação Física.
O Brasil, como outros países relacionados na pesquisa, também oferece licença ou certificado aos psicólogos esportivos. Desde 2001, como já mencionado, anteriormente, neste curso, o Conselho Federal e Regional de Psicologia concedem o título de especialista a psicólogos que desenvolvem trabalhos na área do esporte, ou por meio de uma prova, ou pela conclusão do curso de especialização oferecido pelo Instituto Sedes Sapientiae em Psicologia do Esporte. Os primeiros psicólogos formados pelo curso receberam o título de especialista em Psicologia do Esporte em 2003. Ainda assim, como a própria pesquisa afirma, os psicólogos que não possuem o título de especialista, mas realizam trabalhos no campo da Psicologia do Esporte, no Brasil, estão por sua conta e responsabilidade, ou como dizem os membros do Conselho Diretor da ISSP, estão exercendo suas funções baseando-se apenas em suas reputações individuais.
Vale ressaltar que os pontos aqui destacados como semelhantes àqueles levantados pela ISSP, só vêm demonstrar que, apesar do desenvolvimento perceptível da Psicologia do Esporte fora do Brasil, existem ainda muitos países em que este campo também necessita de organizações que representem a área, cursos, disciplinas, congressos, publicações e etc.
Ou seja, constatar que o Brasil não é o único país que tem buscado atingir uma solidificação e uma credibilidade para o campo da Psicologia do Esporte é um grande avanço, uma vez que, pouco se conhece do que realmente acontece fora do território brasileiro. Mesmo assim, saber que há um grande movimento em direção à conquista de maior reconhecimento e espaço no mercado da Psicologia do Esporte, não significa esgotar as reflexões propostas nesse capítulo sobre as competências exigidas no fazer profissional do psicólogo esportivo, no Brasil. Ao contrário. Isso só aumenta a responsabilidade dos profissionais envolvidos na estruturação desse campo, de propor condições para que os profissionais em exercício e aqueles que pretendem exercer a profissão, estejam aptos e qualificados para oferecer seus serviços à comunidade.
A ISSP, por sua vez, acreditando na importância do seu papel na formação de profissionais qualificados para exercer suas atividades de intervenção no mercado de trabalho e na solidificação da Psicologia do Esporte como campo de atuação e pesquisa, estabeleceu, em 1997, um novo comitê para supervisionar o desenvolvimento da disciplina e dos métodos utilizados para preparar e educar os psicólogos esportivos.
Com o acelerado crescimento do campo da Psicologia do Esporte e do Exercício, a ISSP e seus membros decidiram estabelecer, de forma mais definida e universal, padrões determinados para o campo em questão, para serem utilizados por organizações profissionais interessadas em estabelecer programas e/ou educação para os indivíduos que desejam atuar como psicólogos esportivos.
Segundo a ISSP, a Psicologia do Esporte é vista como uma área especial tanto do corpo de conhecimentos da Psicologia como do Esporte e do Exercício que necessita de conhecimentos científicos práticos de ambas as áreas. Como uma especialidade diferenciada, a Psicologia do Esporte e do Exercício demanda o desenvolvimento de aplicações e teorias que possam refletir um aumento de conhecimento tanto para a área da Psicologia como para o Esporte e o Exercício. Em outras palavras, a Psicologia do Esporte e do Exercício deve ser estudada, de forma sistemática, em instituições acadêmicas que disponham de um currículo estruturado, um programa de pesquisa e experiências supervisionadas e que sejam identificadas pela responsabilidade de educar e treinar estudantes (Tenenbaum, Papaianou e Samulski, 2001; p. 2-3).
Em 2001, durante o X Congresso Mundial de Psicologia do Esporte, em Skiathos- Grécia, a ISSP realizou uma sessão especial, presidida pelo Prof. Dr. Tony Morris, onde participaram membros da ISSP, representando diversos países para discutir as competências necessárias ao exercício profissional do psicólogo esportivo.
Todos os membros que se encontravam presentes concordaram, unanimente, que a sistematização das competências era necessária, principalmente pelo fato de terem sido constatadas várias diferenças entre os países, no que diz respeito ao treinamento e seleção de psicólogos esportivos. Mas, a partir de sua aprovação e posterior publicação como documento da ISSP, as mesmas não deveriam se tornar ou serem vistas como uma imposição feita a qualquer indivíduo ou grupo pelo mundo, mas sim, como recomendações para os indivíduos e/ou instituições que desejam desenvolver, planejar ou mudar os métodos pelos quais o psicólogo do esporte e do exercício é preparado.
É fato que a ISSP tem clareza das diferenças que existem na formação do psicólogo esportivo. Desde o processo até os padrões aos quais são submetidos, ou seja, tanto os profissionais como a cultura do país e/ou região têm características que podem chegar a impossibilitar qualquer comparação, principalmente no que diz respeito à formação dos profissionais. Mesmo assim, coube a alguns dos membros que participaram dessa sessão especial redigir um documento onde estariam dispostas, não só as competências exigidas no exercício profissional do psicólogo esportivo (Quadro V; p. 109), mas também o esquema conceitual desenvolvido pelos membros da própria ISSP que dispõe dos padrões teóricos da Psicologia do Esporte e do Exercício e suas relações com a atividade prática. Veja Figura 1 a seguir:

Esquema conceitual para definir as competências e os cursos em Psicologia do Esporte e do Exercício
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De acordo com a Fig. 1, é possível afirmar que a Psicologia do Esporte e do Exercício deve ser formada de uma base teórica que mobiliza determinados conhecimentos (A1; A2; A3 e A4) e, estes saberes devem abranger tanto a área da Educação Física e Esporte como também da Psicologia. Uma vez cumprindo estes pré-requisitos e submetido às supervisões, o psicólogo esportivo estará apto, segundo a ISSP, a realizar intervenções (B1 e B2), tanto no que diz respeito às equipes e atletas individuais, como trabalhar a comunicação entre técnicos, administradores, dirigentes e etc. Poderá atuar com crianças, adultos e pessoas idosas, assim como desenvolver habilidades em atletas de nível amador ou profissional; desenvolver atividades com indivíduos saudáveis como também indivíduos em fase de reabilitação ou deficientes (atletas para-olímpicos, por exemplo). Os exercícios ou condutas aplicados devem sempre buscar promover saúde, tanto no aspecto físico como no emocional.
Tenembaum, Papaianou e Samulski (2001) acreditaram que, ao redigir esse documento em nome da ISSP, o mesmo não só deveria disponibilizar as competências exigidas no exercício profissional do psicólogo esportivo, como também procurar deixar claro o que significava para a ISSP o termo competência, possibilitando, portanto, a compreensão da dimensão das competências dispostas no Quadro abaixo. Ou seja, ao se definir a competência como sendo um desempenho e/ou habilidade a serem demonstrados por uma pessoa que pretende tornar-se, ou já é, psicólogo esportivo ou do exercício, em áreas específicas, torna-se possível entender, a partir do Quadro abaixo, por que é tão importante e necessário um olhar mais atento à questão da formação do psicólogo esportivo, não só no que diz respeito aos países de fora, mas também no que diz respeito ao Brasil. Veja Quadro a seguir:

Competências exigidas no exercício profissional do psicólogo esportivo segundo a ISSP
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O Quadro acima, portanto, mostra, de forma detalhada, a partir do esquema conceitual anteriormente desenvolvido pela ISSP (Fig. 1), o que compreende cada uma das competências estabelecidas como necessárias ao exercício profissional do psicólogo esportivo. Porém, com a preocupação de não correr o risco de tornar o texto repetitivo, a cada vez que for necessário se reportar às informações do Quadro acima, as mesmas foram convertidas em tópicos para facilitar a posterior comparação com os outros órgãos que virão a seguir: APA/CRSPP; AAASP; CFP e CRP e SOBRAPE, respectivamente. Neste sentido, antes de prosseguir com essa descrição, seguem os tópicos identificados nas competências, na próxima lição.

As Competências segundo a ISSP

A1. Base do Conhecimento (Knowledge-base)

A1. Teorias:
Psicologia Geral: Fundamentos e História da Filosofia-Psicologia; Teorias e principais enfoques (Psicodrama, Behaviorismo, Cognitiva, Social e Cognitivosocial); Teoria do Desenvolvimento; Teoria Psicodinâmica; Teorias da Aprendizagem; Bases sociais do comportamento; Bases biológicas do comportamento; Teorias de técnicas de aconselhamento; Psicopatologia; Comportamentos anormais; Métodos de terapia e de avaliação de personalidade; Saúde; Metodologia da Pesquisa e Estatística; Ativação (Arousal), Ansiedade; Emoção; Stress; Motivação; Necessidade de Realização; Teorias sociais-cognitivas; Cognição (sensação, percepção, memória, processo de informação, tomada de decisão, processo de atenção); Aprendizagem e inteligência; Sexualidade; Psicologia Social; Liderança e Dinâmicas de grupo; Psicologia Aplicada; Fundamentos da Psicofisiologia; Cultura e Ètica.
Psicologia do Esporte: Origem e História da Psicologia do Esporte; Aplicação das principais teorias e enfoques no esporte; Ativação (Arousal), Ansiedade e Performance no Esporte; Personalidade no Esporte; Teorias da Motivação e Conceitos do esporte; Atribuição e Emoção; Psicologia Social no esporte; Liderança e Dinâmicas de grupo no esporte; Socialização; Bases psicológicas e biológicas da agressividade, violência e assertividade (atletas e público); Questões relacionadas ao esporte juvenil; Comportamento dos técnicos; Aspectos psicológicos de indivíduos com problemas emocionais, mentais e físicos; Psicologia do Exercício (aderência, aptidão, efeito, vício e percepção do esforço); Questões de gênero (igualdade, identidade e estereótipo); Questões multi-culturais no esporte Teoria da Ação no esporte; Dinâmica para aquisição de habilidades; Psicologia do Esporte cognitiva (atenção visual, recursos de atenção e capacidades, antecipação, memória de longo prazo, conhecimento estrutural, poder de tomada ou alteração de decisão e execução de ações); Desenvolvimento de especialidades; Prática de discussão; Aquisição de habilidades (desenvolvimento motor e especialidades); Psicofisiologia no esporte; Psicologia de atletas lesionados (processo de reabilitação); Exercício e saúde mental; Psicologia de um estilo de vida saudável e qualidade de vida; Desenvolvimento da moral no esporte e exercício; Transição e encerramento da carreira esportiva; Métodos de pesquisa e Estatística em Psicologia do Esporte e Teoria do aumento da performance.
Teorias (em conhecimento motor, físico e Cinesiologia): Fisiologia do Exercício (geral); Fisiologia do Esporte e do Exercício; Aprendizagem motora e aquisição de habilidades; Controle motor e processo neuro-muscular; Bases biomecânicas de habilidades motoras; Bases de nutrição no esporte e exercício; Anatomia; Medicina Esportiva; e Métodos de treinamento (principalmente restabelecer carga de treinos e periodização).
Conhecimentos relacionados: Sociologia do Esporte; Programas de computação e Princípios de organização e administração no esporte.


A2. Ferramentas de pesquisa:


o     Enfoque quantitativo, qualitativo ou uma combinação dos dois;
o     Princípios metodológicos: amostragem, validade interna e externa e segurança (confiabilidade);
o     Estatística: modelos simples, modelos multivariados, modelos bayesian, modelos integrativos, modelos correlacionados, modelos experimentais e uso de um programa (software) específico para estatística.

A3. Medição, avaliação e interpretação:


Do ponto de vista teórico: provando teoria e ética (introspecção, observação, entrevistas e outros); necessidade de avaliação; perfil psicológico; avaliação por computador; normas e critérios de medição; desenvolvimento de uma base de dados; uso de medidas através de ferramentas da Psicologia do Esporte; modelos de medida para traços latentes do indivíduo; administração, marcação, interpretação, relato e retorno (feedback) dos dados levantados; avaliação da vocação para a carreira e medição e avaliação das limitações do indivíduo.
Do ponto de vista prático (relacionado especificamente ao esporte): desenvolvimento de procedimentos de avaliação para o esporte competitivo; implementação do programa de avaliação através de feedback; implementação de dados e descobertas de técnicas de avaliação através da pesquisa científica.

A4. Ferramentas éticas:

Questões éticas e profissionais (confidencialidade e sigilo); padrões éticos (nacionais e internacionais) e ética e sigilo nos serviços realizados em programas de computação.

B. Técnicas básicas de prática:

B1.
 Intervenções: Psicodinâmicas; Terapia cognitivo-comportamental; Modificação de comportamento; Terapias de relaxamento; Terapia familiar; Aconselhamento de carreira; Abordagem de organização de sistemas; Técnicas de aprendizado social e outras (Humanista, Existencial, etc).
Técnicas para aumento de performance: Controle de ativação da ansiedade; Concentração e controle de atenção; Relaxamento e excitação (energização); Determinação de metas e perfil de desempenho; Construção da confiança; Aumento da concentração; Visualização e Imaginação; Rotina de desempenho e direcionamento das habilidades; Coesão da equipe, eficácia e liderança; Debriefing33; Fornecimento de feedback e reforço; Aumento da autoconfiança e Desenvolvimento de atitude.
Técnicas de desenvolvimento de habilidades pessoais: Comunicação das habilidades e processos; Gerenciamento de tempo; Resolução de conflitos; Relações interpessoais; Habilidades de vida e Plano de carreira.
Intervenções críticas: Transtornos alimentares e administração do peso; Pesar, depressão, perda e suicídio; administração de lesões e reabilitação; Abuso de substâncias; Auto-estima e autoconfiança; Transtornos de stress pós-traumático; Perfeccionismo e Procrastinação; Transição de carreira e Risco de lesão e reabilitação.
Intervenções para organização: Dinâmicas de equipe; Liderança; Processos de comunicação e Análise de sistemas.

B2. Comunicação:
Habilidades de Comunicação (verbal e não verbal):
·          Entre atletas;
·          Entre atletas e técnico;
·          Entre atletas, técnico e instituição;
·          Desenvolvimento de uma liderança construtiva;
·          Com outros atletas;
·          Com outros profissionais da Psicologia do Esporte e do Exercício
Experiência Supervisionada: é designada a fornecer supervisão com orientação, ambiente e oportunidades que facilitem o desenvolvimento das competências permitindo ao profissional utilizar seu conhecimento básico de maneira ética.
Princípios da Supervisão:
·          Aquisição de conhecimento sobre as competências associadas ao profissional de Psicologia do Esporte e do Exercício;
·          Um supervisor qualificado ou vários supervisores que, juntos, se encarregam de designar as competências ao profissional da área;
·          Determinação da duração de tempo requerido para o desenvolvimento das competências, permitindo uma flexibilidade no tempo necessário para tal;
·          Critérios os quais se referem a uma conclusão satisfatória para que cada competência seja definida;
·          Critério de avaliação para o monitoramento e estabelecimento dos relatórios de progresso (andamento);
·          Participação e apresentação (se possível) em reuniões profissionais e conferências científicas;
·          Planejar encontros de supervisão regular com o supervisor (s);
·          Manter um registro formal (escrito, gravado e/ou eletrônico) dos registros de prática (data, tempo, resumo e nome do supervisor);
·          Um relato dos encontros com o supervisor
·          Um relato das atividades designado a desenvolver os conhecimentos básicos e experiências práticas;
·          Um registro das conferências, workshops e encontros assistidos;
·          Um registro dos trabalhos escritos, publicações e apresentações;
·          Uma avaliação dessas atividades;
·          Manter um registro individual para os clientes, e/ou resumo escrito ´para os técnicos, equipe e/ou organização;
·          Esboçar os principais problemas e desafios encontrados e os métodos oferecidos e aplicados para resolvê-los ou melhora-los;
·          Preparar os detalhes do programa de intervenção e o esboço de como os mesmos foram implementados;
·          Registrar como os padrões e o sigilo dos clientes foram assegurados.
Portanto, de acordo com os tópicos até aqui descritos, é possível perceber que a ISSP, ao determinar as competências exigidas no exercício profissional do psicólogo esportivo, não o fez de forma deliberada. Ao contrário. No papel que lhe cabe enquanto Sociedade Internacional de Psicologia do Esporte, a ISSP identificou não só as competências, mas os saberes necessários para desenvolvê-las a começar pela Base de Conhecimento que, segundo sua visão, deve ser oferecida ao profissional que deseja atuar como psicólogo esportivo e que compreende tanto as teorias da Psicologia Geral como as teorias específicas da Psicologia do Esporte e outras teorias que abrangem conhecimento motor, físico e Cinesiologia.
A partir da aquisição desses conhecimentos, são oferecidas ao profissional, ferramentas de pesquisa que irão ajudá-lo a sistematizar o estudo dos indivíduos submetidos ao trabalho de intervenção psicológica. Além disso, o profissional também aprende a medir, interpretar e avaliar dados, tanto do ponto de vista teórico, como do ponto de vista prático. Questões éticas, no que diz respeito à conduta desse profissional e também à forma como manuseia as informações coletadas no campo de trabalho também são abordadas.
Do ponto de vista da intervenção propriamente dita, o profissional interessado em trabalhar como psicólogo esportivo aprende técnicas específicas de aplicação tanto para o desenvolvimento de habilidades do indivíduo como a melhora da performance. Nesse caso, o psicólogo poderá fazer uso de diversas abordagens da Psicologia Geral para analisar o comportamento do atleta, da equipe, do técnico ou da própria organização. Um outro fator importante que constitui um campo para atuação do psicólogo esportivo é a comunicação.
A ISSP acredita que trabalhar a comunicação entre atletas, entre atletas e técnico ou entre atletas, técnicos e organização (clubes) contribui para o desenvolvimento não só dos atletas, mas de todas as pessoas envolvidas com o esporte, independente da modalidade.
Para concluir, um outro tópico que merece destaque é a necessidade de supervisão para os profissionais de Psicologia do Esporte. De acordo com a ISSP, é imprescindível que os futuros psicólogos esportivos possam ter à disposição, profissionais capacitados para realizar supervisão do material colhido em campo. Dentre os pré-requisitos listados pela ISSP apontam-se os encontros constantes com o supervisor para orientação dos dados coletados, participação em congressos científicos e encontros profissionais para divulgação do trabalho realizado, publicações, relatórios das atividades exercidas durante o trabalho de campo, conduta ética e sigilo no manuseio das informações coletadas no decorrer do trabalho e etc.
Sendo assim, uma vez tendo claro o posicionamento da ISSP em relação aos critérios de formação do psicólogo esportivo, tanto no que diz respeito às competências exigidas para o exercício profissional, como os saberes necessários para o desenvolvimento dessas competências, outras sociedades e associações se viram no papel de procurar estabelecer, senão os mesmos critérios exigidos e aprovados pela ISSP, pelo menos uma parte deles. Seguem, portanto, os próximos órgãos consultados, APA/CRSPP; AAASP, CFP e CRP e SOBRAPE, respectivamente, com o objetivo de analisar suas semelhanças e diferenças, a partir das referências estabelecidas pela Sociedade Internacional de Psicologia do Esporte.


As Competências segundo a APA
Ao consultar o site da APA (www.apa47.org) acessa-se uma série de informações sobre a Associação Norte-americana de Psicologia- Divisão 47, que corresponde à Divisão do Exercício e Psicologia do Esporte.
Sua história se inicia em Agosto de 1986, data esta reconhecida, posteriormente, como sendo a data de sua criação, quando um grupo denominado de Grupo de Interessados em Exercício e Psicologia do Esporte, formou-se durante um encontro anual ocorrido em Washington D.C. em 1983. Com o passar dos anos, um comitê de direção foi formado e leis foram desenvolvidas. A partir daí, um número significativo de pessoas passaram a se interessar pelo grupo e se afiliar, superando a marca de 500 membros, o que resultou num pedido formal, junto a APA, para que o mesmo grupo se tornasse uma divisão da Associação Norte -americana. Hoje, a APA- Divisão 47 possui mais de 1000 membros e estudantes afiliados e tem, enquanto associação, realizado um papel importante junto à história da Psicologia do Esporte na América.
A Divisão 47 representa o desenvolvimento rápido e excitante de uma especialização que tem se colocado no cruzamento entre a Psicologia e as Ciências do Esporte. Com a Divisão, os cientistas e os praticantes da Psicologia do Esporte têm a oportunidade de interagir e adicionar mais conhecimento às potencialidades pessoais e profissionais. Os interesses de pesquisa dos membros da Divisão incluem a motivação para persistir e conseguir cumprir metas; considerações psicológicas nos casos de lesão e reabilitação do esporte; técnicas de aconselhamento com atletas; avaliação de talento; adesão e bem-estar na atividade física; autopercepções relacionadas à realização; habilidades para o esporte; esporte juvenil e técnicas do aumento e auto-regulação do desempenho. A divisão promove ainda, as fundações científicas, educacionais, e clínicas da Psicologia do Esporte e do Exercício.
Além disso, a APA- Divisão 47 tem, também, desde 2003, realizado um evento o qual foi denominado Giveaway-athon, que tem como principal objetivo levar a Psicologia do Esporte ao conhecimento da população. Segundo Judy Van Raalte, ex-presidente da APA, a idéia do evento nasceu na cidade de São Francisco, durante a convenção anual da APA. Segundo ela, a criação desse evento foi mobilizada pelo desejo de retribuir de alguma forma a cidade que sediava a convenção. Para isso, seriam enviados alguns dos melhores profissionais em Psicologia do Esporte para proferir palestras, workshops, apresentações, de graça. Dessa forma, a comunidade poderia usufruir deste conhecimento, assistindo aos profissionais fora do local da convenção. O Giveaway-athon desse ano aconteceu em Washington D.C.
Já no que diz respeito à questão da formação em Psicologia do Esporte, a APA acredita que, quando uma especialidade passa a ser definida como uma área de prática psicológica, a mesma requer conhecimento avançado do profissional e, as habilidades adquiridas, devem possuir uma sistematização nas instruções e treinamento. Tanto o conhecimento quanto as habilidades devem ser obtidos através de fundamentações científicas e profissionais inseridas no campo da Psicologia.
Em se tratando da Psicologia do Esporte, a APA defende que o conhecimento avançado na área deve vir dos domínios psicológicos, do esporte e do exercício. O psicólogo do esporte e do exercício é um profissional que tem, em sua formação, peculiaridades que o diferem de outros especialistas, tanto no que diz respeito ao seu corpo de conhecimento científico, como também na sua aplicabilidade. Como um profissional distinto, as intervenções de campo e as teorias desenvolvidas refletem e realçam o conhecimento da ciência Psicologia bem como do esporte e do exercício.
Por conta disso, em Fevereiro de 2003, o Conselho dos Representantes da APA aprovou o que eles denominaram de proficiência em Psicologia do Esporte. Essa nomeação indica que a Psicologia do Esporte agora é reconhecida como sendo um aspecto particular da prática psicológica. O reconhecimento dessa nomeação não se aplica, entretanto, num nível individual. Um “mecanismo específico” necessita ser desenvolvido para indicar se todo psicólogo em particular, pode ser considerado competente para se tornar um psicólogo esportivo. Para isso, inúmeros caminhos têm sido considerados, seguindo a aprovação do conselho. Estes incluem: o desenvolvimento de diretrizes para psicólogos em Psicologia do Esporte, o desenvolvimento de uma supervisão da prática do psicólogo esportivo, revisão das credenciais e uma aprendizagem constante dos conteúdos teóricos.
Nos termos de proficiência da APA, aprovados pelo CRSPPP, a especialização em Psicologia do Esporte é reconhecida como uma especialização em caráter de pósgraduação, cumprida após a obtenção do doutorado em uma das áreas primárias da Psicologia.
A proficiência abrange o treinamento das habilidades psicológicas dos atletas, bemestar dos atletas, associado a organizações esportivas e no desenvolvimento de aspectos sociais do esporte. Vale ressaltar, no entanto, que a proficiência, segundo o comitê, não pode ser confundida com o doutorado em Psicologia do Esporte, o qual, tem uma longa tradição nos Departamentos de Ciências do Esporte e Cinesiologia.
A APA também estabeleceu, a partir das competências exigidas na formação em Psicologia, duas outras competências necessárias ao exercício profissional do psicólogo esportivo. Fato esse que chama atenção para uma outra questão importante, já levantada no decorrer desse trabalho: quem deve ou pode exercer o papel de psicólogo esportivo? Nesse caso, a APA deixa claro que, ao exigir que o psicólogo esportivo deve apresentar as competências que estão inseridas no Código de Ética do psicólogo, isso significa que o profissional designado a exercer o papel de psicólogo esportivo só pode ser aquele que tiver formação em Psicologia. Qualquer outro profissional interessado em fazer a proficiência, no modelo oferecido pela APA tem, no mínimo, que ser formado em Psicologia.
Sendo assim, alguns cuidados são necessários ao exercício profissional do psicólogo esportivo para que o mesmo seja considerado um profissional competente naquilo que ele faz. Veja Quadro a seguir:

Quadro - Competências exigidas no exercício profissional do psicólogo esportivo segundo a APA/CRSPP
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De acordo com as informações dispostas no Quadro acima, é possível observar uma divisão no que diz respeito às competências, ou seja, as primeiras competências, acima relacionadas, dizem respeito àquelas desenvolvidas durante a formação do psicólogo e, aquelas que pertencem à APA- Divisão 47 são designadas ao fazer profissional do psicólogo esportivo.
Ainda no Quadro, também é possível identificar, principalmente, a necessidade de conhecimento e treinamento específicos que possibilitem intervenções adequadas no cenário esportivo e o oferecimento de serviços, ensinamentos, supervisão e atendimento de qualidade, baseado num conhecimento científico adquirido através de pesquisa.
Uma vez definidas as competências, a APA procurou sistematizar um corpo de conhecimento teórico e prático capaz de possibilitar ao psicólogo esportivo o desenvolvimento das competências necessárias ao exercício profissional. São estes:
·         Ter conhecimento da teoria e pesquisa em fundamentos social, histórico e cultural no desenvolvimento da Psicologia do Esporte;
·         Ter conhecimento dos princípios e as práticas da Psicologia do Esporte aplicada, incluindo edições e técnicas da avaliação psicológica específica do esporte e do treinamento mental para a melhora do desempenho e da satisfação;
·          Atendimento clínico e aconselhamento junto aos atletas;
·          Conhecimento dos aspectos organizacional e sistemático de um consultor esportivo;
·          Entendimento do desenvolvimento das questões sociais relacionadas à participação no esporte;
·          Conhecimento das bases bio-comportamentais do esporte e do exercício (Fisiologia do exercício, aprendizado motor e medicina do esporte). Ter conhecimento da teoria e pesquisa em fundamentos social, histórico e cultural no desenvolvimento da Psicologia do Esporte.
No entanto, a APA alerta que, apesar de oferecer a proficiência em Psicologia do Esporte e ressaltar a importância da conduta ética do psicólogo esportivo, ela tem ainda mais dois desafios a serem cumpridos: 1) promover sempre proteção ao público, através da verificação do conhecimento no campo e extensa supervisão que irão assegurar os serviços qualificados direcionados aos indivíduos. Atletas, técnicos, pais, administradores e outros devem ser capazes de avaliar se os serviços oferecidos pelo psicólogo esportivo estão dentro dos padrões exigidos pela APA; 2) a proficiência deve ajudar os psicólogos atuais e aqueles que se encontram em treinamento e que estão interessados no campo, obter o treinamento e a experiência apropriados à Psicologia do Esporte. Além disso, sendo a Psicologia do Esporte uma proficiência reconhecida como sendo da Psicologia, a mesma deve fornecer um modelo de treinamento apropriado ao campo. E, nesse aspecto pode-se destacar, segundo a APA, as seguintes estratégias e procedimentos:
·          Treinamento de habilidades psicológicas;
·          Determinação de metas e Perfil de desempenho;
·          Visualização e plano de performance;
·          Aumento da autoconfiança;
·          Técnicas cognitivas de comportamento de auto-regulação;
·          Estratégias de controle de concentração e atenção;
·          Treinamento no gerenciamento das emoções;
·          Interpretação de atribuições e auto-avaliação no esporte;
·          Transtornos alimentares e controle de peso;
·          Intervenção no abuso de substâncias;
·          Pesar, depressão, perda e suicídio;
·          Aconselhamento em casos de Overtraining e burnout;
·          Aconselhamento sobre questões relacionadas à sexualidade;
·          Aconselhamento em casos de violência e agressão no esporte;
·          Lesão e reabilitação;
·          Transição de carreira;
·          Treinamento para coesão de equipe;
·          Construção da equipe;
·          Treinamento de liderança;
·          Desenvolvimento do caráter e da moral no esporte;
·          Desenvolvimento da autoconfiança, auto-estima e competência no esporte;
·          Intervenções dirigidas aos pais e à família quando necessário, no caso de atletas infanto-juvenis.
Vale ressaltar que, praticamente, todas as estratégias e/ou procedimentos aqui descritos são os mesmos determinados pela ISSP, no que diz respeito às Técnicas de intervenção (B1), com exceção de alguns itens que não aparecem na lista. Mas não existe nenhuma informação concreta a respeito de um “convênio” entre a ISSP e a APA, do ponto de vista da formação do psicólogo esportivo. Na verdade, o que existe é apenas uma referência da APA a ISSP, bem como a outras sociedades e associações: AAASP; Sociedade Norte-Americana de Psicologia do Esporte e Atividade Física (NASPSPA) e Associação Britânica de Ciências do Esporte e Exercício (BASES) que desenvolvem trabalhos dentro do campo da Psicologia do Esporte.
De qualquer forma, a ausência de um “convênio” não significa, necessariamente, uma falta de intercâmbio de informações entre os órgãos. Ao contrário. Mesmo porque, a própria ISSP, ao estabelecer as competências exigidas no exercício profissional do psicólogo esportivo, deixou claro que as mesmas não deveriam ser, de forma alguma, entendidas como uma obrigação para outras sociedades e/ou associações.
Elas deveriam sim, servir de parâmetro na confecção de cursos de formação e treinamento do profissional que se interessa em trabalhar com Psicologia do Esporte.



As Competências segundo a AAASP
Nessa mesma linha de pensamento, encontra-se também a Associação para o Avanço da Psicologia do Esporte Aplicada (AAASP), o próximo órgão a ser descrito.
Fundada em 1986, a AAASP surgiu como uma grande organização aplicada ao esporte, exercício e saúde psicológica. John M. Silva, fundador e presidente estabeleceu que a AAASP deveria promover a ciência e a prática da Psicologia do Esporte (exercício e saúde) e, ao mesmo tempo, promover uma oportunidade dos indivíduos compartilharem informações sobre desenvolvimento de teorias, pesquisa e promover também, serviço psicológico à população.
Três áreas, então, inicialmente, foram eleitas como focos para possibilitar a concretização desses objetivos:
1. Psicologia da Saúde: abrange o papel dos fatores psicológicos na prática do esporte e do exercício, particularmente, aqueles relacionados ao desenvolvimento e à cura de doenças, stress e promoção da saúde. A principal preocupação é ajudar indivíduos a se manterem saudáveis física e emocionalmente.
2. Intervenção para o aumento da performance: o foco dessa área está no desenvolvimento de pesquisa, teoria e prática para promover performance dentro do exercício e esporte. Esta área também se preocupa com os efeitos da intervenção psicológica no esporte na busca do bem estar daqueles que praticam atividade física.
3. Psicologia Social: Seu foco principal é o processo individual e grupal no cenário esportivo. Esta área aplica os fundamentos da Psicologia Social para examinar fatores relacionados aos participantes do esporte, técnicos, equipe e platéia (espectadores).
Posteriormente, a AAASP, com o objetivo de ajudar atletas, técnicos, pais e pessoas interessadas em compreender a Psicologia do Esporte aplicada, criou mais três áreas que oferecem informações completas a respeito da Psicologia do Esporte aplicada. São estas: Informações sobre Psicologia do Esporte aplicada; Questões freqüentes feitas sobre Psicologia do Esporte aplicada; Definição de habilidades psicológicas e Definição de papéis profissionais.
Além disso, a AAASP, também tem dedicado tempo e esforços significativos aos critérios essenciais à identidade e prática da Psicologia aplicada ao esporte. Como resultado desses esforços, em 1989, a AAASP estabeleceu e aprovou critérios para certificação do profissional em Psicologia do Esporte, com a intenção de demonstrar que os indivíduos que procurassem essa certificação deveriam ter no mínimo um nível de experiência e treinamento para oferecer serviços em Psicologia do Esporte aplicada.
Atualmente, a AAASP é a única organização em esporte, exercício e Psicologia da Saúde que oferece esse tipo de certificado aos seus membros. No entanto, no que diz respeito aos critérios exigidos para o desenvolvimento e aplicação da Psicologia do Esporte, estes trazem algumas diferenças quando comparados aos órgãos anteriores (ISSP e APA).
De acordo com essa organização, são conferidos certificados aos profissionais que recebem o título Consultor da AAASP (Certified Consultant, AAASP). No entanto, a AAASP, diferentemente da ISSP e APA, permite que outros profissionais que trabalham com o esporte, que não o psicólogo, obtenham o certificado de Consultor da AAASP.
De acordo com seu estatuto, os profissionais formados pela AAASP são reconhecidos pela Associação através da obtenção de um conhecimento em nível profissional de subdisciplinas da Psicologia do Esporte aplicada, como por exemplo: Psicologia da Saúde e do Exercício; Intervenção e aumento de performance e Psicologia Social. A aplicação destes conhecimentos é, primeiramente, direcionada às atividades educacionais envolvendo a comunicação dos princípios da Psicologia do Esporte aos indivíduos envolvidos com treinamento desportivo, competição, exercício e atividade física, além do desenvolvimento e compreensão das habilidades cognitivas, comportamentais e afetivas de participantes de todas as idades e níveis. Os procedimentos de avaliação e intervenção utilizados são específicos em termos operacionais e avaliados, de forma objetiva, quando possível.
Nesse sentido, ao observar as competências exigidas pela AAASP e dispostas no Quadro abaixo, poderia se afirmar que, qualquer profissional, independente do psicólogo, estaria apto a conseguir o título de Consultor da AAASP, já que as competências abaixo relacionadas não oferecem limitações a quem não fez sua graduação em Psicologia, como é o caso da APA, por exemplo. Mas nem sempre o que se mostra muito simples, na verdade o é. Ao contrário.

Quadro - Competências exigidas no exercício profissional do psicólogo esportivo segundo a AAASP
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O Quadro acima mostra resumidamente algumas das competências que o profissional que recebe o título de Consultor da AAASP deve possuir, mas ao consultar o site da AAASP (www.aaasponline.org ), é possível encontrar cinco passos, ou como mencionado no texto, “cinco ciclos” direcionados aos interessados em receber o título de consultor que desmistificam a simplicidade aparente dessas competências, provando que, se o profissional desejar possuir o título de consultor, ele terá que desenvolver muito mais do que as quatro competências relacionadas anteriormente. Veja a seguir:
O primeiro passo refere-se ao Código de ética da Associação. A AAASP desenvolveu um código de ética bastante semelhante ao da ISSP, que aborda, além dos 25 padrões de conduta, seis princípios: Competência; Integridade; Responsabilidade científica e profissional; Respeito e Dignidade pelas pessoas; Preocupação em dar assistência aos outros e Responsabilidade Social. No Código de Ética descrito pela ISSP, acrescentam-se ainda além destas: Permissão e Confidenciabilidade; Conduta Pessoal e Ética de pesquisa.
Segundo a Associação, o profissional deverá respeitar e cumprir todas as exigências feitas pelo Código de Ética.
O segundo passo diz respeito ao tipo de seleção a que o profissional deverá se submeter para conseguir o certificado, de acordo com a sua formação. Existem quatro tipos de opção para seleção:
1. Formulário de Aplicação de Re-certificação (Recertification Application Form): para profissionais que já possuem o certificado de consultor;
2. Formulário de aplicação para Grandparenting (Grandparenting Application Form): para candidatos que obtiveram o título de doutor até 31 de Dezembro de 1992;
3. Formulário de Aplicação Padrão (Standard Application Form): para os candidatos que possuem doutorado;
4. Formulário de Aplicação para quem possui o título de Mestre (Masters Degree Application Form): para os candidatos que possuem mestrado (status provisório).
No caso do candidato escolher o primeiro ou segundo Formulário de Aplicação (1 e 2), o mesmo poderá prosseguir no passo quatro. Senão, ele deverá seguir a ordem.
O terceiro passo diz respeito à contratação de um supervisor que estará disposto a ajudar o candidato a se tornar Consultor da AAASP. O quarto passo consiste em o candidato imprimir a aplicação à qual ele terá que se submeter (escolha feita no segundo passo). E o quinto e último passo é uma revisão completa do preenchimento do Formulário de Aplicação com o objetivo de verificar se está tudo correto.
Vale ressaltar, no entanto, que cada um dos formulários41 descritos aqui, tem no mínimo 13 páginas, contendo desde informações sobre o histórico escolar do candidato, passando pela avaliação de conhecimento do Código de Ética, Psicologia do Esporte, Biomecânica e/ou Bases Fisiológicas do Esporte, Bases históricas, filosóficas, sociais ou do comportamento motor do esporte, Psicopatologia e suas avaliações, Habilidades de Aconselhamento, Habilidades e técnicas de análise dentro do Esporte e do Exercício e experiências relacionadas ao treinamento, Pesquisa, Estatística e Avaliação psicológica, Bases biológicas do comportamento, Bases do Comportamento cognitivo-afetivo, Bases do Comportamento social, Comportamento individual.
Além dos itens acima, ainda é pedido o relatório de avaliação da prática supervisionada. Nesse caso, o candidato deverá contratar um supervisor indicado pela AAASP, através de uma lista com nomes de todos os supervisores credenciados. O candidato deverá cumprir 400 horas de supervisão, sendo que 25% ou 100 horas devem ser direcionadas ao atendimento com os clientes. O supervisor ficará encarregado de verificar e avaliar não só o cumprimento das horas estipuladas, mas também as atividades práticas realizadas pelo candidato durante sua experiência em campo.
Em outras palavras, apesar da clara diferença dos outros órgãos para com a AAASP, fica evidente que os critérios adotados na seleção de profissionais para exercer a função de Consultor da AAASP são tão complexos e, ao mesmo tempo, completos quanto aqueles oferecidos pela APA. Além disso, pode-se observar, também, que de acordo com o
formulário de aplicação, os conhecimentos prévios exigidos pela Associação abrangem, não só grande parte dos conhecimentos teóricos estabelecidos pela ISSP, para o desenvolvimento das competências do psicólogo esportivo, como também exige o cumprimento de atividade prática supervisionada. E, esta, talvez, seja a primeira diferença a
apontar, entre AAASP e os outros órgãos: o profissional que cumpre todas as etapas de seleção, não recebe o título de “psicólogo” esportivo e sim, de Consultor da AAASP.
Em outras palavras, é possível afirmar que essa formação existe e pode se diferenciar através de suas intervenções. Mas essa discussão não se encerra aqui. Mesmo porque ainda falta mencionar os órgãos nacionais e o que eles têm oferecido em termos de formação e competências no caso da Psicologia do Esporte.


As Competências segundo a AAASP
Nessa mesma linha de pensamento, encontra-se também a Associação para o Avanço da Psicologia do Esporte Aplicada (AAASP), o próximo órgão a ser descrito.
Fundada em 1986, a AAASP surgiu como uma grande organização aplicada ao esporte, exercício e saúde psicológica. John M. Silva, fundador e presidente estabeleceu que a AAASP deveria promover a ciência e a prática da Psicologia do Esporte (exercício e saúde) e, ao mesmo tempo, promover uma oportunidade dos indivíduos compartilharem informações sobre desenvolvimento de teorias, pesquisa e promover também, serviço psicológico à população.
Três áreas, então, inicialmente, foram eleitas como focos para possibilitar a concretização desses objetivos:
1. Psicologia da Saúde: abrange o papel dos fatores psicológicos na prática do esporte e do exercício, particularmente, aqueles relacionados ao desenvolvimento e à cura de doenças, stress e promoção da saúde. A principal preocupação é ajudar indivíduos a se manterem saudáveis física e emocionalmente.
2. Intervenção para o aumento da performance: o foco dessa área está no desenvolvimento de pesquisa, teoria e prática para promover performance dentro do exercício e esporte. Esta área também se preocupa com os efeitos da intervenção psicológica no esporte na busca do bem estar daqueles que praticam atividade física.
3. Psicologia Social: Seu foco principal é o processo individual e grupal no cenário esportivo. Esta área aplica os fundamentos da Psicologia Social para examinar fatores relacionados aos participantes do esporte, técnicos, equipe e platéia (espectadores).
Posteriormente, a AAASP, com o objetivo de ajudar atletas, técnicos, pais e pessoas interessadas em compreender a Psicologia do Esporte aplicada, criou mais três áreas que oferecem informações completas a respeito da Psicologia do Esporte aplicada. São estas: Informações sobre Psicologia do Esporte aplicada; Questões freqüentes feitas sobre Psicologia do Esporte aplicada; Definição de habilidades psicológicas e Definição de papéis profissionais.
Além disso, a AAASP, também tem dedicado tempo e esforços significativos aos critérios essenciais à identidade e prática da Psicologia aplicada ao esporte. Como resultado desses esforços, em 1989, a AAASP estabeleceu e aprovou critérios para certificação do profissional em Psicologia do Esporte, com a intenção de demonstrar que os indivíduos que procurassem essa certificação deveriam ter no mínimo um nível de experiência e treinamento para oferecer serviços em Psicologia do Esporte aplicada.
Atualmente, a AAASP é a única organização em esporte, exercício e Psicologia da Saúde que oferece esse tipo de certificado aos seus membros. No entanto, no que diz respeito aos critérios exigidos para o desenvolvimento e aplicação da Psicologia do Esporte, estes trazem algumas diferenças quando comparados aos órgãos anteriores (ISSP e APA).
De acordo com essa organização, são conferidos certificados aos profissionais que recebem o título Consultor da AAASP (Certified Consultant, AAASP). No entanto, a AAASP, diferentemente da ISSP e APA, permite que outros profissionais que trabalham com o esporte, que não o psicólogo, obtenham o certificado de Consultor da AAASP.
De acordo com seu estatuto, os profissionais formados pela AAASP são reconhecidos pela Associação através da obtenção de um conhecimento em nível profissional de subdisciplinas da Psicologia do Esporte aplicada, como por exemplo: Psicologia da Saúde e do Exercício; Intervenção e aumento de performance e Psicologia Social. A aplicação destes conhecimentos é, primeiramente, direcionada às atividades educacionais envolvendo a comunicação dos princípios da Psicologia do Esporte aos indivíduos envolvidos com treinamento desportivo, competição, exercício e atividade física, além do desenvolvimento e compreensão das habilidades cognitivas, comportamentais e afetivas de participantes de todas as idades e níveis. Os procedimentos de avaliação e intervenção utilizados são específicos em termos operacionais e avaliados, de forma objetiva, quando possível.
Nesse sentido, ao observar as competências exigidas pela AAASP e dispostas no Quadro abaixo, poderia se afirmar que, qualquer profissional, independente do psicólogo, estaria apto a conseguir o título de Consultor da AAASP, já que as competências abaixo relacionadas não oferecem limitações a quem não fez sua graduação em Psicologia, como é o caso da APA, por exemplo. Mas nem sempre o que se mostra muito simples, na verdade o é. Ao contrário.

Quadro - Competências exigidas no exercício profissional do psicólogo esportivo segundo a AAASP
psicoesporte8
O Quadro acima mostra resumidamente algumas das competências que o profissional que recebe o título de Consultor da AAASP deve possuir, mas ao consultar o site da AAASP (www.aaasponline.org ), é possível encontrar cinco passos, ou como mencionado no texto, “cinco ciclos” direcionados aos interessados em receber o título de consultor que desmistificam a simplicidade aparente dessas competências, provando que, se o profissional desejar possuir o título de consultor, ele terá que desenvolver muito mais do que as quatro competências relacionadas anteriormente. Veja a seguir:
O primeiro passo refere-se ao Código de ética da Associação. A AAASP desenvolveu um código de ética bastante semelhante ao da ISSP, que aborda, além dos 25 padrões de conduta, seis princípios: Competência; Integridade; Responsabilidade científica e profissional; Respeito e Dignidade pelas pessoas; Preocupação em dar assistência aos outros e Responsabilidade Social. No Código de Ética descrito pela ISSP, acrescentam-se ainda além destas: Permissão e Confidenciabilidade; Conduta Pessoal e Ética de pesquisa.
Segundo a Associação, o profissional deverá respeitar e cumprir todas as exigências feitas pelo Código de Ética.
O segundo passo diz respeito ao tipo de seleção a que o profissional deverá se submeter para conseguir o certificado, de acordo com a sua formação. Existem quatro tipos de opção para seleção:
1. Formulário de Aplicação de Re-certificação (Recertification Application Form): para profissionais que já possuem o certificado de consultor;
2. Formulário de aplicação para Grandparenting (Grandparenting Application Form): para candidatos que obtiveram o título de doutor até 31 de Dezembro de 1992;
3. Formulário de Aplicação Padrão (Standard Application Form): para os candidatos que possuem doutorado;
4. Formulário de Aplicação para quem possui o título de Mestre (Masters Degree Application Form): para os candidatos que possuem mestrado (status provisório).
No caso do candidato escolher o primeiro ou segundo Formulário de Aplicação (1 e 2), o mesmo poderá prosseguir no passo quatro. Senão, ele deverá seguir a ordem.
O terceiro passo diz respeito à contratação de um supervisor que estará disposto a ajudar o candidato a se tornar Consultor da AAASP. O quarto passo consiste em o candidato imprimir a aplicação à qual ele terá que se submeter (escolha feita no segundo passo). E o quinto e último passo é uma revisão completa do preenchimento do Formulário de Aplicação com o objetivo de verificar se está tudo correto.
Vale ressaltar, no entanto, que cada um dos formulários41 descritos aqui, tem no mínimo 13 páginas, contendo desde informações sobre o histórico escolar do candidato, passando pela avaliação de conhecimento do Código de Ética, Psicologia do Esporte, Biomecânica e/ou Bases Fisiológicas do Esporte, Bases históricas, filosóficas, sociais ou do comportamento motor do esporte, Psicopatologia e suas avaliações, Habilidades de Aconselhamento, Habilidades e técnicas de análise dentro do Esporte e do Exercício e experiências relacionadas ao treinamento, Pesquisa, Estatística e Avaliação psicológica, Bases biológicas do comportamento, Bases do Comportamento cognitivo-afetivo, Bases do Comportamento social, Comportamento individual.
Além dos itens acima, ainda é pedido o relatório de avaliação da prática supervisionada. Nesse caso, o candidato deverá contratar um supervisor indicado pela AAASP, através de uma lista com nomes de todos os supervisores credenciados. O candidato deverá cumprir 400 horas de supervisão, sendo que 25% ou 100 horas devem ser direcionadas ao atendimento com os clientes. O supervisor ficará encarregado de verificar e avaliar não só o cumprimento das horas estipuladas, mas também as atividades práticas realizadas pelo candidato durante sua experiência em campo.
Em outras palavras, apesar da clara diferença dos outros órgãos para com a AAASP, fica evidente que os critérios adotados na seleção de profissionais para exercer a função de Consultor da AAASP são tão complexos e, ao mesmo tempo, completos quanto aqueles oferecidos pela APA. Além disso, pode-se observar, também, que de acordo com o
formulário de aplicação, os conhecimentos prévios exigidos pela Associação abrangem, não só grande parte dos conhecimentos teóricos estabelecidos pela ISSP, para o desenvolvimento das competências do psicólogo esportivo, como também exige o cumprimento de atividade prática supervisionada. E, esta, talvez, seja a primeira diferença a
apontar, entre AAASP e os outros órgãos: o profissional que cumpre todas as etapas de seleção, não recebe o título de “psicólogo” esportivo e sim, de Consultor da AAASP.
Em outras palavras, é possível afirmar que essa formação existe e pode se diferenciar através de suas intervenções. Mas essa discussão não se encerra aqui. Mesmo porque ainda falta mencionar os órgãos nacionais e o que eles têm oferecido em termos de formação e competências no caso da Psicologia do Esporte.


Competências do Psicólogo Esportivo: Visão Geral
Retomando, em se tratando das competências propriamente ditas, acredita-se que, a partir dos quadros apresentados durante essas lições, seja possível visualizar, o cruzamento das informações descritas, anteriormente, um único quadro de competências que devem ser exigidas no exercício profissional do psicólogo esportivo. Sendo assim, o Quadro abaixo, representa os pontos comuns e as diferenças em relação às competências encontradas nos quatro quadros anteriores. Veja a seguir:

Quadro - Competências exigidas no exercício profissional do psicólogo esportivo segundo a ISSP; APA/CRSPPP; AAASP e CFP e CRP- Brasil
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Portanto, ao observar o Quadro acima, é possível enxergar que, todas as competências necessárias ao exercício profissional do psicólogo esportivo, estabelecidas através de informações advindas dos quatro quadros anteriores , representam as competências necessárias ao exercício profissional do psicólogo. Porém, é necessário alertar que as competências dispostas no Quadro acima podem e devem sofrer modificações ao longo do tempo, já que tanto o conhecimento quanto os indivíduos são dinâmicos, ou seja, estão em constante processo de mudança.




Formação e o Papel do Psicólogo Esportivo
Quando se propõe discutir sobre a formação do psicólogo esportivo no Brasil, inevitavelmente, se propõe determinar, de início, quais são os elementos que compõem esse cenário, de que forma eles estão dispostos e, mais do que isso, de que forma eles estão se relacionando.
Levando-se em conta essa perspectiva, ao longo desse trabalho, através de pesquisa e muita leitura, foi possível determinar alguns elementos que têm assumido lugares importantes dentro da formação do psicólogo esportivo e que merecem neste espaço, ser discutidos. São estes: o papel da Psicologia dentro da formação do psicólogo do esporte, e aí abrange em que nível (graduação ou pós-graduação lato e/ou stricto-sensu) tem que se dar formação, de que forma e, as competências exigidas no fazer profissional do psicólogo esportivo.
Com relação ao papel da Psicologia dentro da formação do psicólogo esportivo, as informações, que, freqüentemente, veiculavam através dos livros ou na opinião dos profissionais, fossem estes psicólogos ou não, eram de que o curso de graduação deveria oferecer uma disciplina no campo da Psicologia do Esporte a fim de “garantir”, mínima que fosse, a possibilidade de um espaço para aquisição de conhecimento.
No entanto, hoje se tem claro, de acordo com os resultados levantados, que a questão da inserção dessa disciplina específica, não se constitui mais em uma necessidade vista como crucial na formação do psicólogo esportivo. Isso porque, baseando-se nas Diretrizes Curriculares do curso de Psicologia, sabe-se que uma única disciplina, seja em que área for, não existe num currículo de graduação, para dar conta de contemplar conteúdos que devam ser capazes de desenvolver as competências necessárias ao exercício do psicólogo como um todo, seja no campo do esporte ou em qualquer outro.
Ao contrário. Como apontaram Bastos e Achcar (1994), dada a diversidade que tem se apresentado, através dos diferentes contextos em que o psicólogo se encontra hoje inserido e aos problemas enfrentados, a Psicologia não está e nem pode assumir uma postura estática ou conservadora. Seu objeto de estudo é o indivíduo, e o indivíduo, por sua natureza, é um ser dinâmico, que sofre transformações, desenvolve necessidades, está o tempo todo em contato com estímulos capazes de mobilizá-lo tanto positiva como negativamente.
Por conta disso, também o psicólogo tem que, ao mesmo tempo em que acompanha essas transformações vivenciadas por este indivíduo, desenvolver competências profissionais que o capacitem adequadamente para lidar com as novas necessidades e os novos cenários impostos pelas mudanças. Quando se fala aqui em competências, estas estão relacionadas a uma especificidade necessária àquele contexto escolhido como campo de intervenção pelo psicólogo. Ao examinar o Quadro da lição "Competências do Psicólogo Esportivo: Visão Geral", é possível perceber essa realidade. Ou seja, as competências exigidas no fazer profissional do psicólogo esportivo, abrangem tanto competências que são desenvolvidas ao longo dos cinco anos do curso de Psicologia, como também competências que só serão ou deverão ser desenvolvidas num curso específico, no caso, provavelmente um curso de especialização, que pela sua própria característica de formação, foi criado para suprir a necessidade de profissionais em busca de conhecimentos específicos de uma área.
Ainda assim, o fato de ficar claro que não cabe aos cursos de graduação o ônus da responsabilidade de uma formação específica, não liquida a discussão em torno da formação do psicólogo esportivo. Na verdade, só inicia uma outra: a discussão sobre a demanda de cursos de especialização em Psicologia do Esporte, oferecidos, atualmente, no Brasil.
Pode-se afirmar que existe pelo menos um curso de especialização em Psicologia do Esporte sendo oferecido em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul. Estados onde, coincidentemente, estão localizadas as chamadas ilhas de excelência, ou para ser mais clara, os profissionais de renome do campo da Psicologia do Esporte que, pelo seu trabalho, suas publicações, sua atividade acadêmica, etc, tornaram-se referência nacional.
O problema, no entanto, é que dentre essas possibilidades, só um desses cursos tem habilitado, legalmente, o psicólogo como psicólogo esportivo, fornecendo ao mesmo, o título de especialista em Psicologia do Esporte reconhecido pelos órgãos oficiais CFP e ABEP. Isso significa que, desde a aprovação desse título (2001), cinco anos depois, apenas um único curso foi, até hoje, credenciado no Conselho Federal de Psicologia e aprovado pela ABEP. E quanto aos outros cursos existentes? Quem os oferece não está habilitando seus profissionais, uma vez que não são credenciados? Não é possível afirmar isso, mesmo porque, pela própria trajetória dos profissionais entrevistados, já ficou comprovado que não é só um título de especialização que pode fazer a diferença na formação de um profissional dessa área e sim, um conjunto de fatores associados a um conhecimento específico, que produz um profissional qualificado, apto a exercer sua profissão adequadamente. A especialização deve ser um meio e não um fim, na formação do psicólogo esportivo.
O que é possível afirmar nessa questão, no entanto, é que sendo o curso de especialização um meio de aquisição de conhecimento na formação do psicólogo esportivo e, o título de especialista, uma “garantia” legal ao profissional e às pessoas que usufruem os seus serviços, a união dos dois traria, teoricamente, ao psicólogo esportivo, um duplo reconhecimento, ou seja, tanto o profissional quanto a população estariam “garantidos” pela formação (já que o curso é credenciado) e pelo título de especialista (o profissional está inscrito no Conselho que regulamenta e responde pelas suas funções profissionais).
Mas na prática, sabe-se que isso não ocorre dessa maneira, por que não há como provar se um profissional se torna competente por ter feito um curso de especialização ou mesmo cursos em nível stricto-sensu (mestrados e/ou doutorados). O que há é uma expectativa de que esses veículos de formação possam contribuir sim, para que este profissional esteja preparado para dar conta de suas funções como psicólogo esportivo.
Caso contrário, ainda, se nenhum desses caminhos puder satisfazer as lacunas do conhecimento, existe um elemento de formação que pode funcionar como diferenciador entre os profissionais que têm atuado em Psicologia do Esporte: a formação em Psicologia.

Aqueles que se formaram, inicialmente, em outros cursos como Educação Física, Filosofia ou Pedagogia e se interessaram, posteriormente, pela Psicologia do Esporte, fizeram a graduação em Psicologia. E isso não é uma coincidência, porque está no relato desses profissionais que a procura pela graduação em Psicologia se deu pela necessidade de se conhecer de forma mais aprofundada o indivíduo, e olhar esse indivíduo pela lente de um referencial teórico-metodológico específico da área, no caso, a Psicologia. E, é esse referencial que serve de subsídios para a prática de intervenção do psicólogo esportivo. Se não, por que o nome Psicologia do Esporte, se não for a Psicologia a fazer diferença nessa atuação?
Afirmar que é do psicólogo, o direito de exercer atividades de intervenção junto a atletas, equipes esportivas, técnicos, pais, etc, é reconhecer que só ele, mais nenhum profissional formado em outra área, ainda que tenha adquirido conhecimentos da Psicologia através de disciplinas acadêmicas, cursos de extensão, especialização, mestrado ou doutorado, está preparado para fazer leituras sobre o ser humano, seja no contexto esportivo ou em qualquer outro. E aqui cabe um esclarecimento pela ênfase dada ao afirmar só ele: hoje, no Brasil, ainda não existe nenhuma outra formação que possa oferecer ao profissional, o conhecimento necessário advindo da Psicologia, que não seja através de um curso de graduação nessa área. E, além disso, também é necessário considerar que, por uma questão de legalidade, ou seja, nas leis aprovadas pelo Ministério da Educação e pelos órgãos oficiais responsáveis pelo exercício profissional do psicólogo, a Psicologia do Esporte, enquanto prática de intervenção, é um mercado reservado ao psicólogo. Ou seja, mesmo o profissional tendo, por exemplo, adquirido um certificado pela AAASP (Associação para o Avanço da Psicologia do Esporte Aplicada) (ver p. 98-103), que lhe dá o título de Consultor em Psicologia do Esporte, o mesmo não poderá exercer essa função aqui no Brasil, a menos que consiga, junto aos Conselhos de Psicologia, uma equivalência que o autorize a exercer essa função. Sem isso, o profissional que, com essa formação insiste em realizar práticas de intervenção, está fora das leis do país e, portanto, deverá ser denunciado.
Vale ressaltar que essa medida é necessária, uma vez que se lida com o ser humano, ou seja, qualquer intervenção inadequada ou ações que não sejam baseadas em conhecimento científico e respeitem uma ética profissional, podem trazer sérios danos emocionais ao indivíduo, muitas vezes, irreparáveis. E o Código de Ética do psicólogo, como em qualquer outra profissão, é específico dessa atuação. É só comparar, por exemplo, um dos itens, a obrigatoriedade do sigilo. Não existe no código de ética do engenheiro algo que o obrigue a guardar “confidências” de um atleta em relação ao técnico. É fato que isso pode ocorrer, até por uma questão de bom senso do profissional, mas se assim for, se todos podem agir pelo bom senso (que, a meu ver, é algo tão pessoal), de que serve a formação e a ética profissional?
Por isso, independente da existência ou não, de uma formação lato ou stricto-sensu, é do psicólogo, baseado em sua formação inicial, considerada generalista no Brasil (Maluf, 2003), a função de realizar intervenções, seja em que contexto for, principalmente, porque sua formação permite, de acordo com as Diretrizes Curriculares, uma formação para esse profissional, não só no campo profissional, como no campo da pesquisa e do ensino.E estas características, de antemão já contemplam, de acordo com os autores dos capítulos dos livros consultados, as três funções designadas no fazer do psicólogo esportivo: o psicólogo esportivo clínico (que faz intervenções), o psicólogo esportivo educacional (que ministra disciplinas, conferências, palestras) e o psicólogo esportivo pesquisador (aquele que estuda e desenvolve novos conhecimentos, métodos, estratégias, etc, no campo da Psicologia do Esporte).
Portanto, se a formação do psicólogo esportivo é um assunto que continua provocando polêmicas no campo da Psicologia do Esporte, é necessário se investigar se os cursos oferecidos estão ou podem dar conta da demanda de profissionais que têm interesse na Psicologia do Esporte e, se o que tem sido oferecido através destes veículos de formação, tem dado conta de formar psicólogos do esporte capazes de cumprir as competências exigidas no seu fazer profissional.
Como aponta Franco (2004), citando Horn e Dewar, para o futuro da Psicologia do Esporte como um todo, deve-se analisar criticamente não só o que se está fazendo, mas como e por quê estamos fazendo e, principalmente, por quê ainda estamos fazendo de maneira individualizada. Desenvolvendo meios críticos e reflexivos que permitam rever o exercício da Psicologia do Esporte poderemos, enfim, transformar a sua história, o seu futuro.
Se a Psicologia do Esporte no Brasil é propagada por vários profissionais como uma área promissora, por que o retrocesso? E aqui se levanta uma outra questão? A quem caberia o papel e a iniciativa de reunir as pessoas em sua diferença e manter aberto um canal de comunicação entre elas? O CFP e CRP? A SOBRAPE? A nova Associação de Psicologia do Esporte, a ABRAPESP (fundada em 2003, durante o I Simpósio de Psicologia do Esporte, em SP)? Diria que, de acordo com as funções assumidas por cada um deles em seus estatutos, todos teriam a possibilidade de exercer esse papel, mas infelizmente, pouco se tem feito a respeito, pelo menos no que diz respeito a reunir os profissionais das diferentes “ilhas”.
E, se o desejo de mudar essa realidade existe, então diria que só é possível transformar essa história, se houver um movimento conjunto, principalmente dos profissionais já inseridos na área, de se posicionarem de maneira, não para disputar espaço, mas para dividi-lo. É, tão necessária, é também saudável transitar na diferença. Só assim pode-se enxergar o outro, só assim podemos enxergar a nós mesmos, seja como pessoa ou como profissional.
Enquanto isso não ocorrer, estamos correndo o risco de continuar em “ilhas isoladas”, com as mesmas pessoas, falando sobre as mesmas coisas.





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