Filosofia da religião
“Filosofia da religião”
é a parte da filosofia que se ocupa de examinar racionalmente as explicações
religiosas.
Publicado por: Wigvan Junior Pereira dos
Santos em Filosofia
A questão
sobre a possibilidade de conciliar fé e razão deu origem à Filosofia da
Religião
Podemos entender a religião,
de uma forma ampla, como um sistema de crenças e as práticas a elas referentes.
Em quase todas as culturas há pelo menos uma expressão que possamos chamar de
religiosa. Essas expressões diferem entre si, quanto à origem e conceitos
principais, mas costumam partir da tentativa do homem de encontrar respostas a
problemas para os quais a razão humana não seria suficiente. Uma pergunta bastante
inquietante e que ainda não podemos responder precisamente por meio da ciência
é a respeito da vida após a morte.
As religiões
espiritualistas, ou seja, que acreditam na existência de um corpo mortal e de
uma alma imortal, podem enfrentar esse problema criando teorias baseadas em
algum livro que se considera escrito a partir de uma revelação de Deus, como o
Alcorão para os muçulmanos, o Bhagavad Gita para os hindus e a Bíblia para os
cristãos, por exemplo, ou por meio da transmissão oral de revelações individuais
feitas a alguém que se considera capaz de se comunicar com o plano sagrado,
como são os profetas, médiuns e babalorixás.
Ou seja, na esfera da
religião, não se necessita de uma demonstração racional para aquilo que se
professa como verdade, mas a fé não é necessariamente oposta à razão. O termo
“filosofia da religião”, que aparece a partir do século XIX, é a parte da filosofia
que se ocupa de examinar racionalmente as explicações religiosas. A existência
ou não de Deus foi uma questão que movimentou o pensamento de muitos filósofos
desde a Antiguidade, como Tomás de Aquino, Agostinho de Hipona e Nicolau de
Cusa.
Contexto histórico:
O cenário histórico que
serve de pano de fundo para a discussão desses pensadores é o desenvolvimento e
ascensão do Cristianismo e grande influência da Igreja Católica como
instituição social. Se o Império Romano se esfacelava, a Igreja acumulou grande
riqueza material. Se o Império Romano sofria ataques de povos bárbaros, a
Igreja desempenhava o papel de conciliadora entre a nobreza feudal.
A fé cristã, segundo a doutrina da Igreja Católica, era a verdade
mais elevada. Qualquer ato que discordasse do postulado pela Igreja era
considerado uma heresia. Todas as investigações filosóficas e científicas
tinham que partir do pressuposto de que a verdade já havia sido revelada pelo
próprio Deus. A única tarefa possível à ciência e à filosofia era a comprovação
racional da fé. Muitos pensadores cristãos investiram nesse trabalho e
tentaram, a partir da filosofia grega ou contra ela, convencer os descrentes.
Entre esses pensadores,
podemos incluir os “padres apologistas”, ou seja, aqueles padres que mostravam a
superioridade da fé cristã em relação ao paganismo ou politeísmo. Esses padres,
comoOrígenes, Justino e Tertuliano, rejeitavam o recurso às filosofias gregas.
Importante lembrar que, nessa época, as obras de Platão e Aristóteles estavam
desaparecidas e o conhecimento que se tinha delas passava pelo prisma dos
filósofos estoicos e neoplatônicos e, por isso, apresentavam elementos místicos
ou comportamentos que a Igreja considerava “imorais”.
Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino
No entanto, as obras de maior
destaque são as de Santo Agostinho, que pertencia à Patrística, e as de Santo
Tomás de Aquino, que pertencia à Escolástica. A Patrística é o nome que se dá
ao conjunto das produções intelectuais a respeito da revelação cristã, a maior
parte delas de autoria de padres que perceberam a necessidade de argumentação
racional para consolidar os preceitos cristãos entre as autoridades e o povo.
Santo Agostinho, seu principal expoente, estabelece que a principal diferença
entre a fé e a razão é que, pela fé, conseguimos compreender coisas
inalcançáveis por meio da razão. Mas isso não torna fé e razão contraditórias:
para o filósofo, a fé revela verdades de forma intuitiva, verdades que são
confirmadas pelo exercício racional. A alma humana só poderia conhecer a
verdade das coisas se iluminada por Deus.
A Escolástica é
o nome que se dá à reunião das obras filosófico-teológicas escritas a partir do
século IX por consequência do projeto de organização do ensino promovido por
Carlos Magno no século VIII, projeto esse conhecido como “renascença
carolíngia”. Nas escolas fundadas por Carlos Magno eram ensinadas as seguintes
matérias, submetidas à teologia: gramática, retórica e dialética (a reunião das
três era conhecida como trivium); e geometria, aritmética, astronomia e música
(reunião conhecida como quatrivium). A cultura Greco-romana passou a ser
divulgada e isso permitiu que o pensamento aristotélico pudesse ser considerado
nas investigações filosóficas da época.
O período escolástico pode ser dividido em
3 períodos ou fases:
Primeira fase: do século IX ao século XII – caracterizada pela harmonia
entre fé e razão;
Segunda fase: do século XII ao século XIV – considera-se que harmonia
entre fé e razão pode ser parcialmente obtida.
Terceira fase: do século XIV ao século XVI – caracterizada pela
percepção das diferenças fundamentais entre fé e razão.
A obra de Santo Tomás de Aquino pertence à segunda fase e pretendia retomar os
pensamentos de Aristóteles para explicar os pontos principais da fé cristã. Ao
fazer isso, no entanto, criou um sistema próprio, dentro do qual conseguiu
elaborar cinco provas racionais da existência de Deus. Por esse motivo foi
proclamado Doutor Angélico e o Doutor por Excelência pela Igreja Católica. Sua
extensa obra foi considerada, inclusive, um argumento a favor de sua
canonização. A importância dos argumentos de Tomás de Aquino, apesar de serem
refutados, para a questão da conciliação entre fé e razão é que eles negam 1) a
possibilidade de se conhecer a Deus sem passar pelo mundo sensível, ou seja,
por meio de uma experiência direta; e 2) que só se pode conhecer a Deus pela
fé. A busca científica encontra legitimidade também na filosofia tomista, pois,
se o Criador deixa suas marcas em tudo o que cria, o interesse pela
investigação corresponde à necessidade intrínseca ao homem de conhecê-lo.
Nietzsche:
Para o filósofo alemão
Friedrich Nietzsche, o cristianismo reforçou uma moral dotada de submissão,
pecado e culpa. A própria moral, dirá o filósofo, é um instrumento para o
enfraquecimento dos fortes. Por esse motivo, a tradição ocidental, resultado
desse processo de enfraquecimento, é tão distinta do Estado Grego que reunia,
pelo espírito guerreiro de seu povo e de uma religião que não o tentava
domesticar, as condições para o aparecimento da tragédia, maior expressão
artística dos helenos.
Sobre a religião grega, Nietzsche sublinha no parágrafo 114 de “Humano,
Demasiado Humano” que os helenos não se referiam aos deuses como se fossem
acima de si, ou seja, não tinham uma relação de submissão em relação a eles. Os
deuses serviam como um exemplo do melhor que os humanos poderiam alcançar, um
ideal, diferente do cristianismo que, em suas palavras “esmagou e alquebrou
completamente o homem, e o mergulhou como que em um profundo lamaçal”. Um
aspecto relevante da religião grega era a inexistência de um livro sagrado. As
crenças eram difundidas com uma visão não dogmática e sem uma autoridade que
teria o direito de proteger os dogmas.
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