Breve História da Filosofia
A filosofia não nasceu na
Grécia. A terra natal de Tales, considerado oprimeiro filósofo da história, é
Mileto, cidade do sul da Jônia, região que hoje pertence à Turquia. Ou seja, é
correto dizer que a filosofia nasceu no mundo grego, mas o mundo grego dos
séculos 7 e 5 a.C. não tem nada a ver com aGrécia de hoje. Abrangia a costa do
Mar Egeu, de Mármara e boa parte do Mar Negro, além do sul da Itália e das
regiões costeiras da França, Espanha e África. Demorou quase cem anos para a
filosofia chegar à capital Atenas, onde viveu Sócrates, uma espécie de Jesus
Cristo da filosofia.
Motivo: assim como o
calendário está dividido em antes e depois do surgimento do messias cristão, a
filosofia também tem duas eras: pré e pós-Sócrates. Na era pré-socrática, a
principal preocupação era saber de que era feito o mundo e o ser humano. A
pergunta "de que são feitas as coisas?" pode soar ingênua e até
infantil. Mas o filósofo Timothy Williamson, de Oxford, considera uma das
melhores perguntas já proferidas - uma questão que nos conduziu a boa parte da
ciência moderna. Pela primeira vez na história, os pensadores colocaram o
raciocínio na frente da mitologia. Eles não engoliam a ideia de que o mundo
surgira do nada. "Nada vem do nada e nada volta ao nada" era uma
premissa básica para os pré-socráticos, o que significava dizer que o mundo é
uma eterna reciclagem, tudo se transforma sem jamais desaparecer. Eles tinham
até uma palavra para esse mundo perene: physis, do verbo grego "fazer
surgir". Physis era a origem de todos os seres e coisas mortais do mundo,
que estão em permanente transformação. O café quente esfria, o inverno vira
primavera, o longe fica perto se formos até ele, a criança cresce e vira um
adulto. A natureza está em constante transformação, mas isso não quer dizer que
ela é caótica. As mudanças seguem uma lógica determinada pela physis.
Mas afinal o que era a
physis? Cada pensador achava que era uma coisa. Tales afirmava que o princípio
era a água ou o úmido. Anaximandro, oinfinito. Anaxímenes, o ar. Pode parecer
simplório, mas era a primeira vez que se buscava uma resposta racional para a
origem do mundo.
Conheça os
pensadores da Era Pré-Socrática
Tales de
Mileto
Anaximandro
Anaxímenes
Parmênides
Heráclito
Pitágoras
Protágoras
Górgias
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Entre os séculos 6 e 5 a.C.,
o mundo grego sofreu uma reviravolta socioeconômica decisiva para o surgimento
de pensadores da estatura de Sócrates, Platão e Aristóteles. A cultura agrária
e aristócrática da Grécia, que na época reunia cidades-Estados e não formava um
país como hoje, deu lugar à vida urbana e democrática. Uma nascente indústria
artesanal e o comércio levaram hordas de gregos do campo para as cidades. A
nova classe trabalhadora passou a questionar o poder político da monarquia e,
por volta de 507 a.C, o reformador Clístenes introduziu um princípio crucial
que alterou a ordem social na região: a igualdade dos homens perante a lei e o
direito de todos participarem das decisões políticas da comunidade. A Grécia
virou uma democracia direta. Nascia a figura do cidadão. Boa parte dos
habitantes podia dar pitaco nas reformas da cidade e expressar opiniões em
público (exceto mulheres e escravos, mas paciência...).
Mas era preciso saber falar
para ser ouvido. O ideal de educação no novo mundo grego valorizava a formação
do cidadão e não mais exaltava as virtudes aristocráticas, típicas dos poemas
de Homero e Hesíodo, para quem o homem ideal era o herói de guerra atlético e
corajoso. Os novos professores da classe cidadã eram os sofistas, pensadores
que se apresentavam como mestres da oratória e da retórica e contestavam tudo e
todos. Para os sofistas, o bom cidadão era persuasivo. Quem dominava a oratória
ganhava qualquer discussão em uma assembleia na pólis. Certo? Sim, mas não para
Sócrates, o pai da filosofia ocidental.
Sócrates construiu grande
parte de seu pensamento em oposição ao sofistas, aos quais acusava de não ter
respeito pela verdade. Como podiam defender uma ideia ou outra apenas para
obter vantagem? Cadê a vergonha na cara? Para o mestre de Platão, o importante
era buscar a essência das coisas e do mundo, o conceito de valores como
justiça, amizade, amor, beleza e prudência. A verdade vem da reflexão racional
sobre o que nos rodeia e não da percepção ou da opinião. O pai da filosofia
distribuía perguntas pelas ruas da capital Atenas que desconcertavam os
cidadãos gregos - O que é a beleza? Você diz que justiça é importante, mas o
que é a justiça? Por que você pensa o que pensa? - e deu forma e método para a
filosofia como a conhecemos hoje. Foi o primeiro filósofo
"profissional". Durante o período de ouro na Grécia, a filosofia se
debruçou sobre quatro conceitos-chave: o bom, o belo, o bem e o justo. Mas não
havia limites para o pensamento do trio filosófico mais influente da
Antiguidade. Sócrates, Platão e Aristóteles estavam envolvidos com grandes
questões: o sentido da vida, justiça social, administração das cidades, a busca
da felicidade, como ser um bom cidadão. Mas iam além. A voracidade intelectual
de Aristóteles era algo sem precedentes. O filósofo de Estagira (cidade do
nordeste da Grécia) se interessou por todos os assuntos, da física à biologia
passando pela ética, a política e a metafísica. A filosofia clássica foi a mãe
das ciências - ideia que vai persistir até o final do século 18.
Conheça
os pensadores da Era Clássica
Sócrates
Epicuro
Platão
Aristóteles
Sêneca
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Quando criança, Alexandre, o
Grande, o maior conquistador do mundo antigo, teve Aristóteles como tutor. Dos
13 aos 16 anos, o futuro rei da Macedônia recebeu aulas de lógica, medicina,
moral e arte, entre outros temas, do mestre da filosofia.
Em 323 a.C., Alexandre
morreu aos 32 anos, e sua despedida marcou o fim do domínio cultural, político
e filosófico da Grécia no mundo antigo. Sem o líder unificador, as
cidades-Estado gregas, que antes cooperavam, voltaram a ser inimigas. A morte
do general, que levou o domínio grego e os ensinamentos do tutor até onde se
situa o Paquistão, enterrou também o legado de Platão e Aristóteles. Nos dois
séculos seguintes, o Império Romano ascendeu, e os romanos não tinham tanto
apreço pela filosofia grega. O que de fato cultivaram dos helênicos foi o
estoicismo, que pregava uma conduta virtuosa e obediente às leis.
A influência da cultura
romana no mundo foi forte o suficiente para deixar os pensadores gregos no
esquecimento por alguns séculos. Em 313 d.C., o cristianismo ganhou força com o
Edito de Milão, que decretou a liberdade religiosa em Roma. Dois séculos
depois, com a queda do Império Romano, começou a era de total domínio da Igreja
na Europa Ocidental, período que durou quase mil anos. A abordagem grega de
filosofia como uma reflexão exclusivamente racional, independente dos credos,
sumiu. Durante toda a Idade Média, os pensadores se concentram em temas
religiosos, uma cruzada inaugurada por Santo Agostinho, o primeiro a fundir a
doutrina cristã com abordagens da Grécia clássica. Esse esforço de unir a
religião ao pensamento crítico foi a principal tarefa da escolástica, corrente
que nasceu nos monastérios e buscava uma justificação racional para a crença em
Deus. A Igreja controlava o processo de conhecimento na época e criou as
primeiras universidades.
Mas isso tudo ocorria no
Ocidente. Na mesma época, no Oriente, especialmente nas regiões que haviam
pertencido ao mais célebre aluno de Aristóteles, Alexandre, a cultura grega
clássica, não por acaso, continuava viva. Pensadores árabes e persas como
Al-Farabi, Averróis e Avicena incorporam as ideias de Platão e Aristóteles,
esquecidos na Europa medieval, à cultura islâmica do século 7 em diante. O mais
curioso é que foi preciso a expansão muçulmana na Ásia, África e Espanha para
levar os esquecidos filósofos gregos de volta ao Ocidente.
Por meio de fontes
islâmicas, pensadores cristãos começaram a dar mais atenção às obras
aristotélicas e platônicas e acharam pontos de compatibilidade entre o
cristianismo e a filosofia clássica, que alcança seu ápice com Santo Anselmo,
considerado o pai da escolástica, aquele que melhor encontrou um equilíbrio
entre fé e razão.
Conheça
os pensadores da Era Medieval
Santo
Agostinho
Al-Farabi
Avicena
Averróis
Santo
Anselmo
Pedro
Abelardo
São
Tomás de Aquino
Duns
Scotus
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O Renascimento não é
precisamente um período histórico, mas a síntese de um espírito novo que surgiu
na Itália. Na filosofia, o movimento foi inaugurado por Dante, com a sua Divina
Comédia, no início do século 14, mas foi a partir dos séculos 15 e 16 que os
pensadores ampliaram a faxina para varrer a poeira medieval. Os renascentistas
eram bons marqueteiros: usavam os termos "renovar", "restituir a
uma nova vida", "fazer reviver" para marcar uma oposição clara à
cultura da Idade Média, que julgavam um período de barbárie e escuridão. A
história fez questão de acabar com essa propaganda enganosa - a Idade Média não
foi só horror. O nome Renascimento, enfim, colou, mas o período marcou, na
verdade, o parto de uma outra cultura, que colocou o homem e suas inquietações
- e não mais o Deus dos medievais - de volta ao centro do mundo. Não por acaso,
a fase também é chamada de humanismo. Nascia uma filosofia inteiramente
secular, separada da Igreja.
Os renascentistas beberam na
mesma fonte dos medievais, na filosofia grega. Platão e Aristóteles - sempre
eles - foram a inspiração dos ideais antropocentristas. Platão foi amplamente
recuperado na Itália renascentista que dominou o mundo cultural da época - a
imprensa de Gutenberg se encarregou de espalhar as ideias renascentistas para o
resto da Europa. Os humanistas colocaram em prática o uso da razão e da
evidência empírica na investigação do mundo. Mas a coisa não era tão pé-no-chão
assim. Uma das correntes do pensamento da época, o neoplatonismo, explorava a
ideia de que o homem era parte da natureza e podia agir sobre ela por meio da
magia e da astrologia. Outra corrente, mais realista, iniciou a defesa dos
ideais republicanos contra o poderoso Império Germânico e contra os papas. O
florentino Nicolau Maquiavel é seu primeiro representante. A liberdade política
da antiga Grécia era exaltada como exemplo de participação social. A indignação
contra o status quo levou a mudanças profundas e marcou a Reforma Protestante,
que teve como resposta a Contra-Reforma e a Inquisição.
Os pensadores renascentistas
escreviam bem à beça. As obras mais famosas da época são hoje mais conhecidas
como peças literárias do que como tratados filosóficos. O Elogio à Loucura, de
Erasmo de Roterdã, por exemplo, é considerado uma das sátiras mais brilhantes
da literatura mundial. Montaigne, autor de Ensaios, é tido como o inventor do
gênero. Apesar do entusiasmo marcado pelas grandes aventuras marítimas da época
e pelo pulsante comércio que entupia a Europa de novidades vindas do Oriente e
da América, sem esquecer da efervescência das artes, com Da Vinci, Botticelli e
Michelângelo botando para quebrar, as obras mais famosas do campo filosófico
são céticas e pessimistas. Para Maquiavel e Montaigne, por exemplo, não havia
muita saída para a corrupção na política - uma interpretação tremendamente
atual, diga-se.
Conheça
os pensadores do Renascimento
Dante Alighieri
Thomas More
Erasmo de Roterdã
Maquiavel
Montaigne
Giordano Bruno
Campanella
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Depois do Renascimento ter
abalado o monopólio da Igreja sobre o pensamento, cultura e política europeia,
o século 17 marca a vitória definitiva da razão e da ciência sobre a religião -
um movimento batizado de Iluminismo. A Europa, que antes era um continente
unificado pelo poder eclesiástico, divide-se em nações poderosas. Grã-Bretanha,
França, Espanha, Portugal e Holanda consolidam seu poderio econômico com
colônias ao redor do mundo e, em cada país, surge uma próspera classe média
urbana.
Aos filósofos modernos coube
a iniciativa de integrar o raciocínio filosófico com o científico, em alta
depois que as grandes navegações - e os grandes lucros provenientes do comércio
com as Índias - comprovaram noções negadas pelo poder eclesiástico, como o fato
de a Terra ser redonda. Os britânicos Thomas Hobbes e Francis Bacon foram
pioneiros nessa fase, que inaugura o período conhecido como a Idade da Razão.
Não por acaso, vários desses filósofos são matemáticos de formação, como René
Descartes, tido como o fundador do pensamento moderno. Para ele, o raciocínio
matemático é o melhor modelo para conhecer o mundo. A pergunta "o que
posso conhecer?" marcou a crença de que a sabedoria vem da razão,
pensamento que dominaria o continente europeu no século seguinte. Na
Grã-Bretanha, porém, uma tradição filosófica bem diferente ganhou corpo.
Inspirado em Francis Bacon, John Locke chegou à conclusão de que não é a razão,
mas a experiência, a fonte de conhecimento sobre o mundo.
Apesar da divisão entre o
racionalismo continental e o empirismo britânico, havia algo em comum: a
importância do ser humano, um ser dotado de razão e capaz de experimentar o
mundo. Questões como a natureza do Universo, que até então dominavam o
pensamento, saíram da filosofia e entraram para a ciência, a cargo de figuras
como Isaac Newton. À filosofia, restaram perguntas de ordem epistemológica,
existencial e política: "como podemos conhecer o que conhecemos?",
"qual é a essência do eu?" e "o que ocorrerá no mundo se a
monarquia cair?". Dúvidas que lançaram bases para um sério questionamento
sobre o status quo e para a consolidação do ideal democrático nascente. A
grande mudança intelectual dos modernos foi considerar as coisas externas (a
natureza, a política, etc) como representações ou conceitos. Isto é, tudo o que
pode ser conhecido deve ser transformado pelo homem em um conceito distinto e
demonstrável, permitindo ao homem interpretá-lo a seu bel prazer. Na convicção
moderna, a razão governa emoções, vontades e define o melhor sistema político.
Mas toda essa certeza chega ao fim com Immanuel Kant, que dá uma guinada no
pensamento filosófico. Com a Crítica da Razão Pura, Kant coloca um freio no afã
racionalista ao demonstrar como e por que nossa racionalidade não é absoluta
(ou não pode responder a tudo).
Conheça
os pensadores modernos
Descartes
Espinosa
Thomas Hobbes
John Locke
Francis Bacon
Montesquieu
Leibniz
Berkeley
David Hume
Thomas Reid
Voltaire
Jean-Jacques Rousseau
Immanuel Kant
os
pensadores
modernos
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Kant pôs fim na pretensão
filosófica de tentar conhecer as coisas tais como elas são, a realidade em si.
Depois dele, como vimos na página 47, a filosofia passou a ser basicamente uma
grande teoria do conhecimento: o que é possível conhecer verdadeiramente tendo
em vista os limites da nossa razão?
Aos poucos, a corte da
"rainha das ciências" começou a se desgarrar e criar seus próprios
reinos. As ciências humanas, como a psicologia, a sociologia, a antropologia,
história e a geografia, foram ganhando independência e passaram a ser encaradas
como campos de conhecimentos específicos, com métodos e resultados próprios. O
segundo a minar o poderio filosófico foi Auguste Comte e seu positivismo. O
pensador francês achava que a filosofia deveria ser apenas uma reflexão sobre
os resultados e o significado dos avanços científicos. Com isso, a filosofia se
resignou a estudar o conhecimento adquirido por vias mais sólidas do que o
pensamento puro e a ética, que nunca deixou de ser um tema essencialmente dela.
também aproximou alguns
pensadores da realidade. A crítica de Karl Marx O século 19 ao modo de produção que, segundo ele, sistematicamente
explora os trabalhadores e enriquece os ricos, teve reflexos no mundo real
assim que seu Manifesto do Partido Comunista ganhou as ruas. Marx, no entanto,
foi uma exceção. O interesse pelas estruturas do conhecimento e pela
consciência e seus modos de expressão direcionou a filosofia para recantos
herméticos, como os estudos da linguagem - corrente conhecida como filosofia
analítica, iniciada pelo austríaco Ludwig Wittgenstein. O movimento ficou
conhecido como a "virada linguística". Outra vertente, conhecida como
fenomenologia, se debruçou sobre os fenômenos que se manifestam para a
consciência, a partir da ideia kantiana de que a razão é uma estrutura da
consciência. Seu criador, Edmund Husserl, considera a realidade como um
conjunto de significações ou sentidos produzidos pela nossa razão.
Foi
preciso chegar o século 20, com suas grandes guerras e agitações
sociais, para colocar a política por fim de volta à pauta dos pensadores, que
se tornaram críticos das ideologias e da ideia de progresso. Os filósofos
tentaram frear o delírio científico-tecnológico e o otimismo revolucionário que
cooptou grande parte dos intelectuais. Passaram a se questionar se o homem,
imerso em uma vida acelerada e soterrado pela burocracia, conseguiria ter uma
vida feliz e almejar uma sociedade justa. O primeiro a lançar essa dúvida foi o
alemão Theodor Adorno, um dos fundadores da Escola de Frankfurt, que buscou
inspiração em Marx. Será o homem realmente livre ou uma marionete da sua
condição psiquíca e social?
Conheça
os pensadores contemporâneos
Karl Marx
Friedrich Nietzsche
Hegel
Kierkegaard
Schopenhauer
Auguste Comte
Wittgenstein
Bertrand Russell
William James
Edmund Husserl
Jean-Paul Sartre
Theodore Adorno
Hannah Arendt
Heidegger
Karl Popper
Foucault
Rawls
Dawkins
Bauman
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O físico Stephen Hawking
anunciou em 2011, na badalada conferência Zeitgeist, do Google, que a filosofia
está morta. "A maioria de nós em algum momento se pergunta: por que
estamos aqui? De onde viemos? Tradicionalmente, essas são questões para a filosofia,
mas a filosofia está morta", vaticinou um dos mais brilhantes cientistas
da atualidade. "Filósofos não conseguem estar a par do desenvolvimento
moderno da ciência, particularmente da física", disse, sem piedade. Para
Hawking, a filosofia do século 21 é aquele garoto que chegou à festa depois que
os convidados haviam ido embora.
Apesar de causar mal-estar
entre filósofos badalados, como o esloveno Slavoj Zizek, a cutucada de Hawking
não é nova. Desde o século 19, a morte da filosofia vem sendo anunciada. Mas,
agora, o avanço sem precedentes da ciência, especialmente da neurociência,
confronta uma das grandes motivações da filosofia desde a Antiguidade: a busca
pela certeza. Se a ciência fornece respostas exatas, o que sobraria para a
filosofia discutir? Nada, na opinião de Hawking. Na resposta pública ao físico
popstar, os filósofos Creston Davis e Santiago Zabala concordam que a filosofia
que vira as costas para as descobertas da ciência, se ainda não morreu, está
com os dias contados. Na filosofia do século 21, afirmam, a busca por certezas
ou consensos não é mais seu objetivo primordial. Como diz Slavoj Zizek, "a
filosofia na atualidade é uma disciplina bem modesta. Não resolve os
problemas".
Sem tentar ser a solução
para tudo, a filosofia moderna se mostra útil na formulação de novas
interpretações dos fenômenos sociais. Ela se volta para discutir eventos
históricos e avanços tecnológicos e científicos, um campo fértil para
questionamentos desconcertantes sobre o nosso papel na sociedade, os sistemas de
governo, a relação do homem com as máquinas e o próprio livre-arbítrio. Como
sempre fez, a filosofia ainda encontra espaço para apontar incoerências e
aprofundar questões como o respeito aos animais, a ética do dinheiro, nossa
responsabilidade diante da miséria no mundo e o direito de decidir a hora de
morrer - como traz à tona um dos mais proeminentes pensadores da atualidade,
Peter Singer.
Mais: duas perguntas em
particular seguem fora da jurisdição da ciência - e, consequentemente, vão para
o terreno da filosofia. A primeira é a natureza da nossa consciência. Por que e
como se forma a percepção de cada pessoa de que ela é um único e irrepetível
indivíduo? Descartes tinha razão quando compreendeu que o pensamento comprova a
nossa existência, mas nem ele - nem ninguém - conseguiu explicar por que
pensamos, afinal de contas. Por último, o mais abismal dos porquês: por que
estamos aqui? Por que existe tudo isso em vez de um imenso e eterno nada?
Cientistas estão longe da resposta, mas não deixam de persegui-la. E filósofos
não se esquecem de seguir perguntando.